Por Heraldo Schneider
Um tesouro humano na “terra do ouro”. Em meio às serras da cidade de Jacobina, na Bahia, vive um homem cuja história se desenrola silenciosamente, longe dos holofotes e dos registros de recordes mundiais. Miguel Angelo de Jesus, hoje com impressionantes 111 anos, é uma figura discreta, mas seu percurso de vida faz dele um verdadeiro patrimônio humano local. Nasceu em 20 de julho de 1914, na cidade de Jequié-Ba, e desde então construiu uma trajetória marcada por trabalho árduo, simplicidade e uma longevidade que desafia as estatísticas oficiais.
Uma vida forjada no campo
A certidão de casamento transcrita em sua carteira de identidade é testemunha de uma caminhada que começou nas terras férteis de Jequié, onde Miguel nasceu e tomou gosto pela lida rural. Seu ofício de agricultor o acompanhou por décadas, enfrentando as noites frias e os dias escaldantes nas regiões mais altas do município. O trabalho sempre foi duro e exigente, mas Miguel nunca esmoreceu. Foi nas roças que aprendeu o valor do esforço, da perseverança e do ganho honesto, princípios que transmitiu às gerações seguintes.
Miguel nunca foi plenamente alfabetizado, uma realidade comum a muitos trabalhadores do campo do início do século XX. Ainda assim, aprendeu a gerenciar com habilidade o dinheiro que conquistava a duras penas. A escassez nunca lhe tirou a dignidade: “o dinheiro foi sempre difícil de ganhar”, conta ele, com a sabedoria de quem conhece o real valor de cada centavo.
Família: o legado de Miguel
Apesar de não ter o nome do pai em seu registro, Miguel construiu sua própria história familiar ao lado de Maria Aurélia, sua esposa, com quem compartilhou os desafios e alegrias do cotidiano. Juntos criaram seis filhos, nomes incomuns para a época e que se tornaram marcas de originalidade: Aurito, Valdequi, Eudes, Eurípedes, Aurelesia e Aurenita. Hoje, o clã de Miguel se ramificou e soma 21 netos, 28 bisnetos e 18 tataranetos, espalhando sua herança genética e cultural por diversas cidades baianas e até pelo Sudeste.
É com o apoio constante de uma das filhas, netas e do filho Aurito, que Miguel segue sua rotina tranquila na casa de Jacobina. Apesar da idade avançada, impressiona por sua autonomia: caminha pela casa, vai ao banheiro sozinho e não necessita de cuidados especiais. A lucidez ainda o acompanha, embora a audição já não seja a mesma de antes. Os traços serenos de seu rosto contam histórias de dificuldades, mas também de muitos momentos felizes.
Da roça ao Rio, da saudade ao retorno
A vida de Miguel, apesar de simples, também teve seus momentos de tentativas de crescimento morando em Barreiras-Ba. Conta que em um período já com certa idade, teve de se mudar para o Rio de Janeiro, onde hoje reside um dos filhos. Lá, com disciplina e economia, conseguiu juntar um “dinheirinho” que, mais tarde, usaria para realizar um desejo antigo: voltar para o interior da Bahia onde sempre se sentiu verdadeiramente em casa.
O retorno foi celebrado: com o dinheiro poupado, Miguel comprou um carrinho para que seu filho Aurito, hoje com 79 anos, pudesse levá-lo onde precisasse – mais um gesto de carinho e de preocupação com o bem-estar de quem sempre esteve ao seu lado. O automóvel se tornou o símbolo da independência e da mobilidade de Miguel, que, mesmo centenário, gosta de dar suas voltinhas.
Desafio aos recordes: Miguel e a longevidade brasileira
O Brasil tem ganhado destaque mundial pelo número de centenários e supercentenários. Segundo o Guiness World Records, o brasileiro João Marinho Neto, nascido em Maranguape, Ceará, em 5 de outubro de 1912, detém atualmente o título de homem mais velho do mundo com 112 anos. Outro nordestino, Josino Levino Ferreira, nascido na Paraíba em 3 de abril de 1913, figura como o segundo mais longevo do mundo, segundo a plataforma LongeviQuest.
E é neste cenário que surge a história de Miguel Angelo de Jesus, ainda fora dos registros oficiais, mas cuja certidão atesta uma idade quase tão avançada quanto seus conterrâneos nordetinos célebres. O desconhecimento da mídia, até então, fez com que Miguel permanecesse invisível às estatísticas, mesmo vivendo uma longevidade digna de nota. Os familiares, orgulhosos, alimentam o desejo de ver o patriarca reconhecido nos livros dos recordes, celebrando a sua existência única.
O segredo da longevidade: simplicidade e afeto
Qual seria o segredo de Miguel? Entre as respostas possíveis, destaca-se o cotidiano simples, sem grandes excessos, marcado pelo trabalho no campo, pela alimentação natural e pelo convívio familiar. Gosta de feijão andu, quiabo, asinha de frango assada e frutas. As noites frias nas áreas rurais de Jequié, os dias de sol nas lavouras e o contato constante com a terra parecem ter moldado sua resistência física e emocional.
O respeito por cada etapa da vida e a sabedoria de aceitar as adversidades com serenidade também aparecem como fatores determinantes. Miguel sempre encarou as dificuldades com tranquilidade, jamais permitindo que a amargura se instalasse. A felicidade, para ele, está nas pequenas conquistas diárias: o sorriso dos netos, o abraço dos filhos e a paz de um lar acolhedor. É conhecido pela vizinhança como “Paijéi” um jeito carinhoso de chamar o “pai velho”.
Entre memórias e esperança
Tranquilo na sala de sua casa, sentado numa cadeira de bar, Miguel relembra trechos de sua trajetória, sempre breve nas palavras, mas profundo nos sentimentos. “A vida foi difícil, mas feliz”, resume, com olhos brilhando de gratidão. As histórias do passado são compartilhadas, sobretudo com as gerações mais novas, que aprendem com ele a importância de valorizar o presente e honrar as raízes familiares.
A esperança dos familiares é que, com a divulgação dessa história, Miguel Angelo de Jesus ganhe o reconhecimento merecido. Mais do que um nome em uma lista de supercentenários, Miguel representa a força, a resiliência e a simplicidade do povo brasileiro.
Enquanto aguarda — quem sabe — o contato dos órgãos oficiais que possam validar sua idade e incluí-lo entre os recordistas mundiais, Miguel segue sua rotina tranquila em Jacobina. Rodeado de afeto, de histórias e de respeito, o centenário baiano é prova de que, muitas vezes, os maiores tesouros humanos estão escondidos nos lugares mais improváveis, esperando apenas que suas histórias sejam contadas.
Que o exemplo de Miguel inspire outras pessoas a celebrar a vida, o amor da família e a sabedoria dos anos. E que sua história, agora revelada, possa ecoar além das fronteiras da Bahia, mostrando ao mundo que, entre sertões e montanhas, florescem vidas extraordinárias.
Texto: Heraldo Schneider
Publicado em 23/08/2025