Por Arnaldo Silva – conheçaminas.com.br
As características desta vila mineira são bastantes diferentes das tradicionais vilas colônias, presentes em todo o Estado de Minas. Ao chegar nesta vila, percebe-se de cara que é um lugar único em Minas Gerais.
Nesse lugar, os sobrenomes fogem do padrão normal dos sobrenomes portugueses usuais em Minas. Nesta vila, seus moradores tem sobrenomes como Sibele, Tetzner, Borchadt, Klemz, Kamke, Pittelkow, Butske, Pieper, Raasch, Schreiber, Friedrich, Wendt, Lancken, Strelow, Mutz, Welmer, Lehman, Ortlieb, Kester , Ponaht, Denard, Welherman, Rossow, Reckel, Schwe, Dietrich, Kampini, Uhlig, Felberg, Bichi, Schneider, Saibel, Schulz, Neumann, Schumacher, Gaede, Neitzel, Gumz, Boasquives, Eller, Polack, Witt, Schemelpfenig, dentre outros tantos. (foto acima de @paulo_broseguini)
Povo de sorriso aberto, tons de pele bem claros, olhos claros, cabelos loiros, culinária diferente, vestimentas diferentes em dias festivos, dança e música diferentes da dança e música caipira tradicional que conhecemos. (Fotografia a acima e abaixo fornecidas pela Secretaria de Cultura de Itueta MG)
Tem ainda o casario com arquitetura bastante diferente do tradicional Barroco Mineiro. Nesse lugar, a religião predominante não é a Católica, como é na maior parte de Minas Gerais. Eles seguem a religião Luterana. Além disso a língua mais falada nesta vila não é o português e sim o pomerano, a língua oficial da extinta Pomerânia.
Pomeranos e Luteranos
Os pomeranos viviam na Pomerânia, uma antiga região do Sacro Império Romano-Germânico, situada na costa sul do Mar Báltico, entre a Alemanha e a Polônia, no século X. Mais precisamente, entre as duas margens dos rios Vistula e Odra e o rio Recknitz, a oeste da Europa. O território da Pomerânia foi integrado ao território da Alemanha e da Polônia após a Segunda Guerra Mundial. Antes da unificação alemã, os pomeranos faziam parte da Prússia.
Os pomeranos são descendentes dos povos eslavos, referência a uma ramificação étnica e linguística de povos indo-europeus, da Europa Oriental e Central. Por esse motivo, sua história, costumes, cultura, tradições, festividades, ancestralidade e a língua pomerana, serem diferentes do alemão-padrão. (Na foto acima fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta MG, uma saia com as cores tradicionais da Pomerânia: branco, azul e vermelho).
A língua pomerana assemelha-se mais ao holandês, vestfalliano e saxão antigo do que com a língua alemã-padrão. Embora a Pomerânia tenha feito parte território germânico, é um povo com origens ancestrais diferentes dos alemães Os pomeranos não são alemães, são pomeranos.
Além disso, os pomeranos são luteranos. Pra quem não sabe, pomeranos e alemães, professam, em sua maioria, a fé cristã luterana. Foi na Alemanha, no século XVI, que surgiu a Reforma Protestante, movimento religioso liderado por Martinho Lutero, ex monge agostiniano, contrário, principalmente contra a cobrança de indulgências pela Igreja Católica.
Foi através dos imigrantes alemães que o protestantismo chegou ao Brasil, presente hoje em boa parte dos Estados Brasileiros, reunindo, não só descendentes de alemães, mas quem concorda, aceita e professa o credo luterano, através da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (IECLB) e Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). (na imagem acima fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta, inauguração da Igreja Evangélica Luterana do Brasil na comunidade luterana da Vila Neitzel).
Que vila é essa? Onde fica?
É a Vila Neitzel, distrito de Itueta, município localizado no Vale do Rio Doce, a 403 km distante de Belo Horizonte. Itueta faz limites territoriais com Resplendor, Santa Rita do Itueto e Aimorés em Minas e ainda, Baixo Guandu, no Espírito Santo.
O surgimento de Itueta tem início no século XX com a chegada de imigrantes europeus à região, principalmente pomeranos e alemães. É em Itueta que está a maior comunidade pomerana de Minas Gerais, localizada ao Norte de Itueta. (na foto acima do Duva Brunelli, balsa atravendo o Rio Doce em Itueta MG).
A comunidade pomerana de Itueta é formada pela vila sede, Vila Neitzel e várias pequenas comunidades em seu entorno, como Córrego do Chapéu, Córrego do Juazeiro e Santo Antônio, dentre outros, além de outras famílias que residem em pequenas propriedades nas proximidades da Vila Neitzel.
Em sua maioria são famílias de pequenos produtores que tiram seu sustento cultivando a terra, no cultivo de café, milho, batata, inhame, mandioca, leite, além de produzirem produtos quitandas, doces, geleias, queijos etc.
Itueta conta atualmente com pouco mais de 6.500 habitantes. Desse total, são cerca de 2 mil descendentes de pomeranos e alemães, em sua maioria concentrados nas comunidades rurais da Vila Neitzel, distante 37 km da cidade. Foram os imigrantes que deram origem da formação de Itueta.
Por que deixaram a Europa?
Com a contínua crise na Europa, piorando com a Primeira Guerra e na eminência de outra Guerra Mundial ainda maior, com consequências mais catastróficas que a primeira, fizeram que milhares europeus deixassem seus países rumo ao Brasil. Minas Gerais recebeu um grande número desses imigrantes e o Vale do Rio Doce também.
Em busca de uma vida melhor
Os imigrantes pomeranos chegaram ao Brasil a partir de 1859, fugindo das guerras, fome e miséria, além do preconceito contra sua cultura e discriminação religiosa que eram submetidos. Deixaram a Pomerânia em busca de uma vida melhor longe das guerras, da fome e perseguições religiosas e culturais.
No Brasil, os pomeranos eram encaminhados às colônias agrícolas e comunidades nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e principalmente no Espírito Santo, estado do Sudeste que recebeu maior número de imigrantes.
De imigrantes a migrantes
Parte dos descendentes desses imigrantes deixaram o Espírito Santo no início do século XX, entre os anos de 1914 e 1920, atravessaram o Rio Doce e chegaram à Minas Gerais, igualmente fugindo da pobreza e da fome. Vieram para as terras mineiras em busca de segurança, emprego e melhores condições de vida e trabalho.
Não apenas pomeranos, mas descendentes de alemães deixaram o Espírito Santo e algumas famílias de pomeranos e alemães que viviam no Sul, migraram-se também para Minas Gerais.
Por que escolheram o Vale do Rio Doce?
Nessa época, o Vale do Rio Doce era uma região pouco habitada e inexplorada, onde prevalecia florestas densas e fechadas de Mata Atlântica. Não havia estrada, pontes, nenhuma estrutura. O Vale do Rio Doce foi a última região a ser povoada em Minas.
A presença dos imigrantes foi o marco do povoamento e desenvolvimento da região, bem como a construção da Estrada de Ferro Vitória Minas que ligava Belo Horizonte à capital capixaba. Seu primeiro trecho foi inaugurado em 1904 e envolveu a mão de obra de centenas de trabalhadores em cada ramal que ia sendo construído, além de promover o surgimento de povoados no entorno das estações, que futuramente se tornariam distritos e até mesmo, cidades. (na imagem acima cedida pela Secretaria de Cultura de Itueta, a antiga estação ferroviária do município).
Região rica em madeira nobre, rios e água em abundância, além de terras férteis, os pomeranos viram na região a oportunidade de melhores condições de vida e trabalho. Na foto acima da Elvira Nascimento, paisagem nativa de Mata Atlântica, típica do Vale do Rio Doce.
Por isso a escolha, além claro, da proximidade do Espírito Santo com a região. O Rio Doce marcava a divisa dos dois estados, o que facilitou a escolha dos pomeranos capixabas, por ser a região mais próxima. Atravessaram o rio e instalaram-se com suas famílias na margem esquerda do rio, dando origem a comunidades e formação de sítios e fazendas na região.
Travessia do Rio Doce
Naquela época não havia pontes ligando o Espírito Santo à Minas. O único jeito era atravessar o Rio Doce em canoas ou balsas a partir de Baixo Guandu, no Norte do Espírito Santo, na divisa com Minas. (na imagem acima, de Alberto Ohnesorge, a perigosa travessia no Rio Doce, dos primeiros pomeranos feita em canoa).
Em Baixo Guandu, os pomeranos eram recebidos pela comunidade evangélica local como mostra os arquivos históricos da Igreja de Confissão Luterana de Baixa Guandu. Ajudavam no acolhimento, além de contar com o apoio espiritual oferecidos pelos pastores Albert Bionow e Emilie Kremz Bienow e Carl Wolfgramm e Louise Wernicke Wolfgramm.
Não foi uma migração fácil. Os pomeranos deixaram suas terras e suas casas para trás, seguindo até Baixo Guandu a pé, levando seus poucos pertences em lombos de mulas e burros. Atravessaram o Rio Doce, entrando em Minas Gerais e rumo a seu destino, abrindo caminho nas matas fechadas a facão.
Dessa margem, até o local onde ficariam, era uma caminhada de cerca de 40 km e ainda por cima, carregando seus pertences nas costas e filhos pequenos, sem pouco ou nenhuma comida, se alimentando de peixes e frutos silvestres pelo caminho.
Formando comunidades
Seguiam pela margem do Rio Doce, e seguiam para o norte do que é hoje o município de Itueta MG, formando comunidades às margens de córregos ou lagoas, por serem agricultores e precisavam estar perto de água. Vieram para trabalhar no cultivo da terra, cultivando lavouras de milho, café, batatas, mandioca, inhame, além de criarem porcos, gados, galinhas, patos e marrecos.
Aos poucos a migração foi aumentando, cada dia mais chegando pomeranos e alemães. Com isso foram surgindo várias pequenas comunidades, sempre à beira de córregos ou lagoas como as comunidades de Macaquinho, São Simião, Jequitiba, Laranjeira, Juazeiro, São Tomé, Santo Antônio, Quatro Rodas, Baixio, Racha Pau, Vargem Alegre, Alto Santo Antônio, Santo Antônio e Vila Neitzel. (No mapa acima, podem ter noção das comunidades pomeranas (na cor azul) e suas localizações, formadas ao norte de Itueta, no início do século XX. (Arte fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta MG).
Essas comunidades ficavam nas proximidades da fazenda da família de Henrique Neizel, onde já existia uma pequena estrutura no entorno do casarão sede da fazenda com farmácia, armazém e maquinários para produção de alimentos.
Em Itueta, mantiveram o modelo de desenvolvimento de pequenas propriedades e diversificação de cultivares na produção de alimentos, modelo chamado hoje de Agricultura Familiar. (imagem acima fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta MG)
Modelo este que deu muito certo no Sul do país através dos imigrantes alemães e pomeranos. Inclusive esse foi um dos fatores de incentivo do governo em abrir as portas do país para os imigrantes pomeranos, alemães e europeus em geral.
Não apenas isso, imigrantes tinham muito conhecimento sobre tecnologias industriais, já que a Europa era experimentara um alto desenvolvimento industrial, para a época. Além disso, os europeus sabiam muito bem cultivar a terra, tradição passada por gerações. Exerciam com grande competência a administração de suas propriedades, trabalhos na indústria e administração de pequenos comércios, como as populares vendas, armazéns, mercearias. (imagem acima fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta MG)
Vila Neitzel e a formação da comunidade pomerana
Segundo informações de sua neta, Giselle Pereira Neitzel Klemz, seu avô, Henrique Neitzel nasceu em 1900, no Espírito Santo. Vivia em Santa Joana, na região dos Pontões. Era filho de Otto Neitzel e Guilhermina Neitzel. Antes de chegar á região de Itueta, era tropeiro.
Com pouco mais de 20 anos e solteiro, acompanhado de um amigo, também tropeiro, deixou sua comunidade em busca de melhores condições de vida, terras férteis e com água em abundância. Chegou até a divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, atravessou o Rio Doce e chegou ao norte do que é hoje Itueta. Adquiriu uma grande propriedade na região e começou a formar sua fazenda.
Antes da chegada de Henrique Neitzel à Itueta, já existiam várias comunidades de pomeranos e alemães, que vieram para a região na década anterior, 1910, oriundos do Espírito Santo e também, novas famílias que vieram da Alemanha durante e depois da Primeira Guerra Mundial..
Aos 23 anos, Neitzel conheceu Ana Romaes, moradora da comunidade do Córrego do Chapéu. Ana era natural do Espírito Santo e filha de Marcos e Maria Romaes. Nesta época, Ana tinha 20 anos de idade. Pouco tempo depois, em 9/11/1923, os dois se casaram e Ana passou a assinar o nome de Ana Neitzel. O casamento, oficializado no Cartório de Registro Civil de Aimorés MG, foi testemunhado por Alberto Ohnesorg e Guilherme Mutz. O casal teve filhos, filhas e netos.
Henrique Neitzel era empreendedor. Com muito esforço e com trabalho em família, fez sua fazenda crescer. Empregava várias funcionários e era um exímio e próspero comerciante, além de muito influente na região.
Na fazenda tinha máquina de moer café com uma caldeira para tocar essa máquina, alambique, engenho de cana, gado de leite e corte e cultivo de lavouras diversas. Construiu na fazenda uma mercearia e uma botica. Comprava bois e porcos e os revendia. Comercializava sua produção em Itueta, nas comunidades pomeranas que ficavam nas proximidades de sua fazenda e em Aimorés. E ainda, vendia para quem fosse na sua propriedade comprar de sua produção, seja para uso próprio ou para revender.
Na propriedade tinha o casarão sede e as casas dos seus funcionários. Os filhos foram crescendo, se casando e com isso, construindo casas no entorno da casa grande.( na imagem acima Comunidade Pomerana da Vila Neitzel, estima-se que a imagem foi tirada no início da década de 1960. Acervo particular s/d.)
Com isso, Neitzel começou a alimentar o sonho de formar uma vila em sua fazenda. Começou a lotear lotes de terra na propriedade a preço bem simbólico. Trocava lotes por móveis, animais ou mesmo, vendia os lotes fiado e bem baratos.
Cedeu terreno para a Prefeitura construir uma escola na fazenda, e também igreja. Após sua morte, sua esposa doou um terreno para a construção de um posto de saúde. (na foto acima a escola e abaixo, o Posto de Saúde de Barra do Juazeiro – Imagens enviadas pela Jeane Shulz)
Seus filhos continuaram o sonho do pai. Mesmo sem a intenção de formar um distrito ou vila, lotearam terrenos na localidade para famílias de pomeranos e alemães que já viviam no local ou que continuavam a chegar, vindos do Espírito Santo.
Não somente para imigrantes e migrantes, famílias de trabalhadores da Ferrovia Vitória Minas e de agricultores da região que vieram para Itueta em busca de trabalho, adquiriram lotes e se fixaram vila, devido sua boa estrutura.
Os loteamentos foram aumentado, o número que moradores também. A comunidade pomerana nos córregos e povoados em redor, dependiam da estrutura da Vila Neitzel que contava com comércio, farmácia, escola e posto de saúde. Era a maior das comunidades do Norte de Itueta.
Em 1979, a Vila Neitzel e as comunidades e povoados em seu entorno, se tornou distrito de Itueta, por lei, aprovada pela Câmara Municipal e oficializada pelo prefeito, na época, Rúdio Pieper, que também era pomerano. Todas as comunidades nas proximidades da Vila Neitzel, passaram a fazer parte do distrito criado, como seus subdistritos, formando com isso um só distrito, com o nome de Distrito Vila Neitzel.
Ao todo, são 2 mil moradores no distrito Vila Neitzel, juntando a vila sede, Vila Neitzel e todas as comunidades em seu entorno. A maior parte da comunidade de descendentes de alemães e pomeranos estão nos povoados e sítios nas proximidades dos córregos que formam o distrito.
Na vila sede, a Neitzel, tem descendentes de pomeranos, alemães e de famílias que vieram da região ou de outras localidades mineiras e até de outros estados para viverem e trabalharem no município.
Cultura e costumes pomeranos
Os pomeranos têm a tradição milenar de preservar suas origens e elementos culturais como a língua, a cultura, a história, a dança, a música e seus instrumentos musicais, nascimento, morte, casamentos, batizados, suas ligações com a terra e a preservação e confirmação do papel da mulher nas decisões da família. (imagem acima fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta MG).
Preservar seus costumes e religiosidade é uma forma dos pomeranos preservarem suas identidades e a si próprio, como povo. São crenças e costumes seculares, que preservadas, reafirmam a essência da existência pomerana como um povo.
Em Itueta, desde a chegada dos primeiros pomeranos à região, os costumes, crenças e tradições são preservadas até os dias de hoje, principalmente nos costumes religiosos luteranos como o Casamento Pomerano, o Ritual do Quebra Louças e Oralidade. A Igreja Luterana está presente em Itueta desde a chegada dos pomeranos.
Igrejas na Vila Neitzel
A religião predominante entre os alemães e pomeranos no distrito é obviamente, a Luterana. Na sede do distrito, Vila Neitzel, formada não apenas por descendentes de pomeranos e alemães, existem outras denominações religiosas cristãs, como a Igreja Católica, Igreja Adventista do 7° Dia, Igreja Presbiteriana e Igreja da Assembleia de Deus. (nas fotos acima pela Jeane Shulz a igreja Católica, A Adventista e da IELB e abaixo, algumas Igrejas Luteranas das comunidades rurais do distrito)
Já nos subdistritos que formam o distrito Vila Neitzel, onde estão as maiores concentrações de descendentes de alemães e pomeranos, predomina a Igreja Luterana com a presença de templos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) e da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB).
Que língua falam aqui?
Em Minas e no Brasil, descendentes dos imigrantes pomeranos falam português, mas nas colônias e comunidades, preservam sua cultura linguística, falando e comunicando-se entre si, na língua pomerana. Os pomeranos do Espirito Santo e Minas Gerais, falam o Pommerch. Em outros estados com comunidades pomeranas, falam outros dialetos da língua pomerana, como Riograndenser Hunsrückisch e o Plaudtdiestsch, falados no Sul do Brasil.
Em português e pomerano
No distrito Vila Neitzel, antigos moradores e também os mais jovens, procuram conversar em pomerano entre si com o objetivo de melhor dominar a língua e preservar suas origens. Com os que não são de origem pomerana, conversam em português. (imagem acima fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta MG)
A comunidade pomerana de Itueta vem fazendo um esforço para recuperar a língua e a dança folclórica pomerana, ensinando o pomerano aos mais jovens das comunidades e mesmo aos mais velhos, que queiram reaprender o pomerano.
O idioma pomerano no distrito passou a fazer parte do currículo escolar do distrito com o objetivo de preservar a língua pomerana entre os moradores.
Antes, somente os mais antigos falavam a língua em residências familiares, nos eventos sociais, religiosos e momentos de integração de toda a comunidade, seja na Vila Neitzel, quanto nos subdistritos, como durante a Festa Pomerana.
Com a iniciativa, os mais jovens poderão conhecer a língua e conversarem entre si em pomerano. Isso desperta o interesse das crianças não apenas pela língua, mas para a dança, a música e a história de suas origens.
É um trabalho que vem sendo feito, aos longos dos anos com apoio de comunidades pomeranas do Espírito Santo e prefeitura local, para resgatar as tradições, música, vestimentas, festas religiosas e folclóricas, a cultura e a língua pomerana na região.
Estando na comunidade, você ouvirá conversas e palavras em pomerano e alemão como Bom dia – Gun Morgen! Obrigado – Daitchen/ Danken Shen; Até Logo! – Ousvrindesan! (Aús-frídesan); Avô – Groutfuter (grôut.fótar) / Opa; Avó – Groutmuter (grôut.môtar) / Oma; Agora Ficou Melhor – Nurr is Beta Vôra; Aonde tu quer ir? – Voa Vist Du Ren Móka? Eu quero ver todos dançando – Ick Vill Allas Dancan Zaier; Eu vou sair – Ich Go Lôus/rrúlda; Fica Quieto – Vies Ishtill/blif chtil; Porco – Shwina; Porque – Vurim; Trabalhar – Arbera; Vem Aqui/Vem Cá – Come ré; Você está entendendo? – Hes dú fórstôn?; Você quer tomar café? – Vís dú cáfê drínkán? Eu estou aprendendo a falar em pomerano – Ich Daw Lera pomich Fatéla; Pode acreditar em mim – Cast Min Leiva.
A gastronomia pomerana
A culinária alemã e pomerana em especial e bem diversificada e também valorizada e preservada nas comunidades pomeranas brasileiras, bem como na Vila Neitzel.
Em festas, casamentos, batizados, aniversários, festividades religiosas e outros eventos, a boa mesa pomerana é o destaque da festa. Na verdade nem é uma mesa e sim um Snack Weg (caminho dos sabores) da boa comida germânica.
Um passeio gastronômico que mais lembra um banquete especial diante de tanta fartura e tantos pratos alemães que impressiona quem não é da comunidade.
Mesmo travando a língua ou tendo dificuldades em entender a pronúncia dos pratos, a concordância é que os pratos são saborosíssimos como spätzel, apfelstrudel, bretzel, o eisbein, o currywurst, bockwurstas weisswurst, o kassler, o heringsbrot, iguarias acompanhadas outros pratos típicos alemães como o marreco recheado, o purê de batatas, o repolho roxo, o chucrute, vinho, chopp e claro, o broud, chamado no Brasil de brote, o tradicional pão pomerano.
A culinária germânica e pomerana, que chegou ao Brasil com os imigrantes no século XIX, sofreu adaptações devido à inexistência de alguns ingredientes no Brasil. O ingrediente principal do broud é o trigo, mas como na época o trigo não existia no Brasil e importá-lo da Europa era muito difícil, esse ingrediente foi substituído pelo fubá de milho.
Com isso, o tradicional pão alemão e pomerano ganhou uma releitura com base na tradição e ingredientes da culinária mineira no preparo de pratos como por exemplo o uso da folha de bananeira e forno de barro.
No caso do Broud, o trigo foi substituído pelo fubá de canjica ou mimoso, por exemplo. Com isso passou a ser chamado também de “miyberbroud”, (Pão de milho). É um pão preparado com massa de fubá, batata doce, cará, e mandioca. A massa é de milho eu pão moldado no formato original de pão e enrolado em folha de bananeira para ir ao forno a lenha para assar. (Acima e abaixo o modo de preparo do Brote. Fotos fornecidas pela Secretaria de Cultura de Itueta)
Para adoçar mais o pão, algumas famílias acrescentam à massa banana. São ingredientes fáceis de conseguir nas comunidades por serem produzidos pelas próprias famílias em suas propriedades.
É um pão consumido nas refeições, principalmente no café da manhã, acompanhado de banha de porco, sal, manteiga, linguiça defumada crua, carnes de boi, porco, marreco, galinha e pato, geleia, coalhada, bolos, queijos, dentre outros alimentos.
O casamento pomerano
Na tradição pomerana, os casamentos são realizados em janeiro e início de fevereiro e dura em média 3 dias.
É uma festa muito especial, ritualística, tradicional e que envolve não só a família dos noivos, mas toda a comunidade. Envolve ainda toda a fartura da boa mesa pomerana com muitos pães, bolos diversos, linguiça, biscoitos, doces, vinhos, cervejas, cachaça, brote, queijos, etc.
Nas comunidades que preservam os casamentos pomeranos tradicionais, o irmão caçula da noiva é quem faz o convite para o casamento. É o chamado hochtijdsbirer (convidador)
Os noivos agendam o casamento com o pastor ou pastora. O evento é anunciado no culto onde os noivos apresentam o hochtijdsbirer, que geralmente é o irmão caçula da noiva, tem como missão convidar as famílias escolhidas pelos noivos para participarem da festa.
Um dia antes do casamento é realizado o Polterowend, que é o ritual da quebra das louças, que são jogadas pelo alto acompanhado de muita gritaria e música pomerana cantada e acompanhada pela concertina. Tem que ser louça de porcelana ou cerâmica porque segundo a crença pomerana, traz sorte e bênção na vida do casal. Já o vidro, traz azar.
Á noite a família prepara o Heunerowend, um jantar feito com miúdos de galinha a galinha na tem simbologia anuncia ou alerta e sobre perigos ou coisas ruins que podem surgir aos noivos.
No dia do casamento pela manhã o convidador e o servente fazem a acolhida das famílias. O local é todo decorado com flores de murta, ciprestes e laços coloridos e ainda com música e muita alegria, animada pelos Tau Hochtied inspäle/ranaspäle, os tocadores de concertina ou acordeão.
Os músicos acompanham ainda os noivos até a ida à igreja para receberem a bênção matrimonial. À frente, o convidador, soltando foguetes para trazer sorte aos noivos. Segundo a crença pomerana, o primeiro que pisar na igreja, noivo ou noiva, será o líder e terá a última palavra da casa.
Ao fim da cerimônia, os noivos seguem rumo ao banquete, preparado pelas famílias e decoradas com com flores murta, cipreste e laços coloridos. Na cabeceira da mesa ficam os noivos, os pais, as testemunhas, o pastor e familiares, nessa ordem.
No fim da tarde a festa continua com danças típicas que representam o ritual de passagem da vida de solteiro para a vida de casado. A primeira dança é a tradicional Bruttdanz, a dança da noiva, onde os noivos dançam com os convidados casados e os solteiros, a Kranzafdance, a dança da grinalda ou coroa, quando os noivos dançam apenas com as pessoas solteiras. A cada dança, o convidador oferece aos noivos cachaça e vinho e os convidados, ofertas em dinheiro. (foto acima fornecida pela Jeane Shulz)
A última dança da festa é o Bäzendanz, a dança da vassoura. É quando os noivos dançam com os casais. Caso não tenha alguém sem par na festa, a noiva ou o noivo, dançam com uma vassoura. (fotografia acima de William Wesphal)
Por fim, após a festa, os noivos vão para sua nova casa e comparecem no próximo culto da igreja, visitam os sogros onde tradicionalmente recebem dotes dos pais e convidados, podendo como presentes, objetos, roupas, sapatos, porco, vaca, cavalo, boi ou mesmo, dinheiro.
No casamento pomerano, toda a comunidade se envolve e esse ritual significa que os noivos romperam a relação entre pais e filhos e passam a ser independentes por suas ações e escolhas, construindo suas vidas independentes.
Funeral pomerano
A postura dos pomeranos diante da morte os diferencia dos demais cristãos. O funeral e luto pomerano são um conjunto da tradição milenar pomerana com o luteranismo. Ao longo dos séculos, o funeral na antiga Pomerânia se transformou em um dos pilares da identidade pomerana. (imagens acima e abaixa, fornecidas pela Secretaria de Cultura de Itueta MG)
O funeral pomerano tem como base três elementos: o Cemitério, a Sepultura e o Tafel. É uma simples tábua em madeira, pendurada em uma cruz, onde é entalhado a frase: “Hier huhet in Gott” ( “aqui descansa no senhor”) seguido do nome, data de nascimento e falecimento, além de um versículo bíblico, relacionado ou não com a morte.
Além disso, no Tafel são entalhados ou pintados em cores variadas ramos de flores, palmas e cruzes. Por tradição, os mortos pomeranos são sepultados com suas bíblias, hinários, certidões de batismo e confirmação, além de alguns objetos de uso pessoal do falecido. Nos desenhos, predomina a cor azul, a cor símbolo da extinta Pomerânia.
A Festa do Brote – A Festa Pomerana da Vila Nietzel
O Brote, é a principal iguaria dos descendentes de pomeranos de Itueta e uma das identidades gastronômicas da cidade. O famoso pão alemão está presente há décadas em casamentos, batizados, aniversários e festas coletivas da Vila Neitzel. (na foto acima do @paulo_broseguini, a Festa Pomerana)
Quando tem festa e encontros de família, tem o brote na mesa. Esses encontros eram conhecidos como Festa do Brote. Não era um evento oficial, organizado pela comunidade em geral mas um evento de famílias e em eventos festivos e religiosos, embora contasse com a participação de boa parte da comunidade.
Havia necessidade de uma festa maior que envolvesse toda a comunidade e abrangesse não apenas o brote, mas toda a culinária pomerana, a dança, a música e as vestimentas. O embrião dessa ideia começou a surgir nos primeiros anos do ano 2000.
Em 2010, foi criado na cidade o Pomerisch Dansgrup Fon Minas, o Grupo de Dança Folclórica de Minas, formado atualmente por 15 casais que ensaiam todos os fins de semana na quadra da escola da Vila Neitzel. O grupo é coordenado por Wallex Schemelpfenig. (imagem acima fornecida pela Secretaria de Cultura de Itueta MG)
O grupo foi criado com o objetivo resgatar a dança, a música, a vestimenta e a língua pomerana da comunidade. Através do grupo, a comunidade passou a conhecer como eram as músicas pomeranas, as danças e como se vestiam os camponeses que viviam na extinta Pomerânia. (fotografia de @paulo_broseguini)
Com a criação do grupo de danças, a tradicional Festa do Brote passou a ser a Festa Pomerana, integrando o Pomerisch Dansgrup Fon Minas e a culinária pomerana em um só evento.
Durante os dias de festa, a língua falada é praticamente o pomerano. Isso é para incentivar os mais jovens a se interessarem pelo idioma de seus antepassados e valorizar a língua, a cultura, a música e a culinária pomerana.
Um desfile a caráter marca o início da Festa Pomerana, além da escolha das princesas e rainha da festa. Bandas locais e regionais se apresentam durante os dias da Festa Pomerana, que recebe um grande número de visitantes da região e também da comunidade pomerana de outras regiões como do Espírito Santo. (imagem acima enviada pela Jeane Shulz)
O Pomerisch Dansgrup Fon Minas é a principal atração da Festa Pomerana de Itueta. O grupo se apresenta vestido a caráter bem como o local da festa, a quadra da Vila Neitzel, é toda decorada com bandeirolas nas cores principais da Pomerânia, que é o azul e branco. (imagens acima e abaixo fornecidas pela Jeane Shulz, do Pomerisch von Minen se apresentando em cidades da região)
Além disso, o Pomerisch Dansgrup Fon Minas se apresenta em outras cidades, a convite. São mais de 90 danças diferentes, bem como vários trajes típicos da Pomerânia. Quem se interessar em contar com a presença do Grupo Folclórico de Dança Pomerana de Itueta, o Pomerisch von Minen, o contato é pelo Instagram: @pomerisch_dansgrup
A Festa Pomerana de Itueta já está em sua nona edição. Acontece todos os anos, geralmente, no primeiro fim de semana de agosto. Em 2023, a 9° Festa Pomerana de Itueta MG será nos dias 4, 5 e 6 de agosto.
Conheça Itueta
Estão todos convidados, não apenas para conhecerem a Festa Pomerana, mas para conhecerem a cidade de Itueta e sua comunidade pomerana.
Itueta é uma cidade tranquila, com boa estrutura urbana, conta com um variado comércio, bom setor de prestação de serviços, pequenas pousadas e hotéis, restaurantes, bares e lanchonetes.
Serão todos bem-vindos. Seu povo é simples, amigável e hospitaleiro.
Agradecemos ao secretário de Cultura de Itueta, Valdinei Cardoso Coutinho e professora Jeane Shulz Schemelpfenig pelo empenho em ceder fotografias e nos passar informações sobre o distrito Vila Neitzel.
FONTE: www.conheçaminas.com.br