Único prefeito do Espírito Santo eleito na história do PC do B no Espírito Santo, exercendo um mandato de oito anos (2013/20) muito elogiado em Baixo Guandu, Neto Barros surpreendeu o mercado político do Estado ao anunciar, recentemente, o abandono do comunismo para se filiar a um partido de centro, o Progressistas.
Em longa entrevista ao jornalista Vitor Vogas, do Poder 360, Neto Barros analisa esta guinada na trajetória política e admite que buscou o “equilíbrio”, deixando em segundo plano a questão ideológica para assumir uma postura desenvolvimentista.
Segue a entrevista:
Por que o senhor resolveu entrar no Progressistas neste momento?
Em Baixo Guandu, o atual prefeito, de quem eu sou o maior opositor, sempre se elegeu por partidos de esquerda: PPS (atual Cidadania) em 2004 e em 2008, e Solidariedade em 2020. Como dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, eu tenho meu grupo político no município e eu resolvi ressignificar a minha vida, para voltar para o jogo estadual lá na frente. Tenho bom recall, meus mandatos foram aprovados e tenho apoiadores de todos os espectros políticos na cidade. Ouvi muito meu grupo. Como dei uma ressignificada, estou ouvindo mais, me relacionando melhor e seguindo a orientação do nosso grupo político. E nosso grupo percebeu que não dava para ficar disputando o mesmo campo do prefeito.
E o prefeito Lastênio Cardoso é mesmo de esquerda?
Ele sempre foi, até porque foi lançado na política pelo meu pai, Chico Barros, que foi fundador do MDB lá na ditadura e era uma figura de centro-esquerda. De lá para cá ele pinta as obras de vermelho e amarelo, uniforme escolar a mesma coisa… São as cores da socialismo. Mas, com o aparecimento da onda bolsonarista, mais à extrema direita, ele tenta se colocar nesse campo. Por isso é que fica me criticando demais, me atacando pessoalmente, por eu estar filiado ao PCdoB e ser alguém historicamente de esquerda. Ele fica atacando minha posição partidária para ninguém perceber o lado em que ele mesmo estava, porque ele não gostaria que todos lá soubessem que ele sempre foi de esquerda. Agora ele tenta passar uma borracha na história para se colocar no campo de direita, o que não vai colar. Então, ouvi o meu grupo, que me orientou a caminhar mais para o centro. E aconteceu de aparecer o Progressistas na minha vida, ponderamos bem e achamos que é a melhor opção.
O senhor já usou algumas vezes a palavra “ressignificar” e derivados. O que significa exatamente essa “ressignificação” em sua trajetória política?
Na verdade, é uma ressignificação de vida. Percebi que, para quem está na militância política, para quem gosta da atividade política, para quem já ocupou cargos parlamentares e no Executivo, eu não poderia continuar com a mesma cabeça que eu tinha. Então fiz uma ressignificação. E, ao mudar, mudei também na política, o que é uma coisa natural. Estou agora mais aberto a um movimento de mais amplitude.
O senhor acha que, no PCdoB, o partido limitava muito suas possibilidades de ação política e alianças? Te deixava limitado a um nicho?
Não, pelo contrário. Na minha reeleição em 2016, tive 21 partidos em minha coligação. Estou falando agora em algo mais pessoal, de relacionamento mesmo. Por exemplo, quando saí da Prefeitura de Baixo Guandu, fui convidado pela Findes para ser membro do Conselho da Economia Criativa. Também fui convidado para ser secretário na Serra, o maior município do Estado. Isso saindo de um município pequeno, inexpressivo até o meu governo. Percebi que tinha condições de alçar voos maiores. Sempre falei do desenvolvimento econômico, da importância da reindustrialização do país etc. E percebia que, no PCdoB, por esses preconceitos todos, quando alguém me anunciava para falar fora do município para um grupo de empresários, ou na academia, fosse onde fosse, quando citavam minha filiação, isso restringia muito. Criticam aquilo que não conhecem.
O senhor sofria com um certo estigma?
É um estigma. E então percebi que eu estava carregando um peso que não tinha razão de ser. Vim para o Governo do Estado e estou agora fazendo mestrado em Desenvolvimento de Negócios e Inovação, o que me fez realçar mais ainda essa verve de quem pensa no mercado e na industrialização, que é o que todos os países desenvolvidos do mundo fizeram. Percebi que, lá no Guandu, me atacavam por eu ser do PCdoB e usavam isso contra mim. Então resolvi parar de dar munição para o adversário. Ressignifiquei a vida. Mudei o relacionamento familiar, com os amigos e político. Agora estou conversando, vou fazer uma aliança eleitoral para vencer a prefeitura e vou voltar para o jogo estadual a partir de 2026.
Quais são seus planos para 2026?
Vou estar na prefeitura e vou apoiar lá as pessoas que estão me apoiando agora. O deputado Da Vitória, presidente estadual do PP, é um deles. Tem o deputado Bruno Lamas, que é meu secretário no Governo do Estado, e provavelmente será candidato a deputado estadual. Estou conversando com o deputado federal Amaro Neto, com o deputado estadual Hudson Leal, entre outros. Estou ampliando o meu leque de alianças.
O senhor menciona dois deputados do Republicanos: Amaro e Hudson Leal. No dia 23 de fevereiro, a assessoria de imprensa do Republicanos chegou a divulgar uma nota informando que o senhor estava prestes a se filiar ao partido, com o aval do presidente estadual, Erick Musso. Logo no dia seguinte, a mesma assessoria informou que o senhor não entraria mais. Por que o senhor inicialmente optou pelo Republicanos e o foi que deu errado ali?
Quem anunciou para a imprensa foi o próprio partido. Não partiu de mim. Conversei com diversas forças: Casagrande, Ricardo Ferraço, Marcelo Santos, Felipe Rigoni, Erick Musso… E o Republicanos serviu mais como balão de ensaio, porque o prefeito de Baixo Guandu precisava de mim no PCdoB. Eles não acreditavam que eu fosse mudar de partido. Eles estavam preparados para enfrentar o Neto que saiu da prefeitura em 2020. Então, nesse movimento de amplitude, eu precisava conversar com muita gente. O Erick divulgou esse convite, eu estava ponderando, e serviu como balão de ensaio. Não sei o que aconteceu lá. Sei que o prefeito do Guandu atuou fortemente para me atrapalhar, pois, como eu disse, ele precisava de mim no PCdoB. Agora que ele percebeu que esse tipo de munição não vai servir contra mim, ficou desesperado.
Na história política recente do Estado, o senhor era a principal referência no PCdoB. E, de repente, essa guinada… O Republicanos é um partido de direita conservadora religiosa, profundamente vinculado a uma igreja neopentecostal. Nesse aspecto, é o avesso do marxismo*. O PP também é um partido de direita. Seus principais representantes no Espírito Santo hoje são os deputados federais Da Vitória e Evair de Melo. Os dois são declaradamente de direita, sendo Evair um bolsonarista fervoroso. Tanto o Republicanos quanto o PP apoiaram o governo e a reeleição de Bolsonaro. Minha pergunta: o senhor mudou as suas convicções e seu posicionamento ideológico e por isso muda agora de partido, ou a mudança de partido atende agora a um objetivo estratégico puramente eleitoral?
As duas respostas são positivas. É claro que qualquer movimento político-partidário visa ao alcance do poder político. Isso é uma coisa sine qua non da atividade política. Se alguém se filia a um partido, é obviamente para disputar eleição. Ou então será um mero quadro. Eu não tenho característica de ser um quadro. Nasci na luta política. Meu pai foi vereador, deputado estadual, prefeito. Eu fui vereador, deputado estadual, prefeito. Então fui forjado na luta. E percebi que, continuando no PCdoB, acabaria virando um quadro. E não vejo também toda essa importância que você falou de ser uma “referência na esquerda no Espírito Santo”, porque isso não se traduzia em voto. E preciso buscar abrigo onde meu grupo político me orienta que seja melhor. O Progressistas foi a melhor opção. Se desde o início eu tivesse programado, não teria dado tão certo. É um partido que está bem organizado em todo o Espírito Santo.
Mas o senhor considera ter mudado de campo ideológico ou entra agora numa sigla de direita por pragmatismo?
Se você olhar o site do PP, ele é um partido que se intitula de centro. Eu estou buscando o centro. Estou buscando o caminho do equilíbrio. Se você perguntar para quem olha para a política com preconceito, os “enraizados” que sequer representam a realidade, pode significar uma mudança de campo. Agora, a minha formação política é uma formação política desenvolvimentista. É “progressista” mesmo, voltada para a industrialização, para a diversificação da economia, o aumento da produtividade. Então, nesse ponto de vista, não mudou nada. Vou continuar trabalhando para reforçar que a única solução para nós é industrializar o país e mudar a nossa matriz econômica, para passarmos a ser produtores de serviços e produtos altamente tecnológicos, que é o que dá dinheiro no mundo todo. Queremos que o Brasil deixe de ser um país exportador de commodities e matéria-prima e passe a ser produtor. É isso o que quero para o Espírito Santo e o Brasil. Nesse ponto de vista, continuo sendo o político progressista que sempre fui. O que não vou, Vitor, é continuar dando asas a discussões infrutíferas que não levam ninguém a lugar nenhum e estavam me prejudicando eleitoralmente.
Então como o senhor se define hoje do ponto de vista ideológico? Considera-se um homem de centro?
Hoje estou no centro, buscando o caminho do equilíbrio, dialogando com as diversas forças. A gente elegeu um governador de centro-esquerda, um presidente de esquerda, que eu acho que é centro-esquerda também. E a gente tem uma bancada federal majoritariamente de direita. E eu preciso, enquanto chefe do Executivo Municipal, lá em 2025, dialogar com a bancada federal e com o Governo Federal e o Estadual para fazermos um bom mandato. Então não posso ficar levando a discussão ideológica cegamente para a atividade política, porque isso, do jeito que é colocado no Brasil, não leva a lugar algum. E quem fica fomentando essas divergências, de um lado ou do outro, tanto na esquerda como na direita, fica vivendo dessa discussão infrutífera, enquanto quem quer trabalhar, quem quer produzir, quem quer ter mandato para poder realmente mostrar serviço, muitas vezes não consegue, dada essa polarização. Eu não vou entrar nessa.
Então o senhor deixou de ser um comunista?
“Eu deixei de ser um comunista”… [pensa um pouco] Como te falei, se você estiver pensando com a cabeça de quem está perdido nessa discussão infrutífera, sim.
Digo com relação à mentalidade política…
Minha formação política, profissional e como ser humano continua a mesma: eu busco desenvolvimento. E vou fazer política mirando esse objetivo. Não posso mais agora, no alto dos meus 50 anos, ficar me perdendo em discussões infrutíferas, nas quais muitas vezes, mesmo não participando delas, eu era envolvido por uma questão partidária.
Por curiosidade: quando estava no PCdoB, o senhor ainda acreditava de fato na implantação do comunismo, como forma de organização do Estado, da economia e da sociedade? Ou, mesmo dentro do PCdoB, essa crença já acabou?
O que percebo é o seguinte: tanto à direita quanto à esquerda, existe uma confusão muito grande sobre o que é o mercado e como funcionam as regras do mercado que levam os países desenvolvidos a serem desenvolvidos. Como eu falei, você entra numa barafunda de loucura que não leva ninguém a lugar algum. Vivemos num mundo que é capitalista, é uma economia de mercado. Você não tem liberalismo como se quer vender no Brasil pela extrema direita. Essa coisa de “Estado mínimo”, “livre mercado”, isso não existe em lugar nenhum do mundo, Nem na Inglaterra da Revolução Industrial, nem nos Estados Unidos que vieram depois, nem na China hoje, nem na Europa, nem em lugar algum. Todos os países praticam o protecionismo da sua indústria. O Estado sempre teve e tem o papel fomentador e regulador. Desse ponto de vista, eu quero é que o Brasil consiga chegar a esse patamar, produzindo, reservando tudo o que puder para a indústria nacional. Então não vou entrar nessa discussão porque vejo que, dos dois lados, tem muita confusão e desconhecimento. As pessoas nem sequer sabem o que liberalismo e o que é mercado.
Então o Neto Barros 2024 é um Neto arredio a debates ideológicos infrutíferos e focado em resultados?
Focado em resultados, pragmático, buscando desenvolver a diversificação da economia no nosso estado e no nosso país. Quero produzir, quero representar com qualidade as pessoas, quero deixar um legado. Então não vou mais ficar nessa discussão. Deixa isso aí para os extremos. Infelizmente, o PCdoB, que não é um partido extremista, pelo contrário, é um partido muito flexível e que tem uma boa escola de política, acabava visto como de extrema esquerda por causa do nome. Não quero ser o dono da verdade nem ficar dando murro em ponta de faca. Estou buscando o caminho do equilíbrio, ouvindo o meu grupo, estou ressignificando a minha vida e isso já modificou tudo à minha volta: estou mais feliz, mais animado… estou me sentindo mais leve agora!
Menos “vermelho”? (risos)
[Pensa] Depende do ponto de vista.
FONTE: es360.com.br
Apenas estratégia eleitoral.