O dia 5 de novembro de 2015 ficará eternizado na história do Brasil, quando ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), tragédia ambiental que matou 19 pessoas e impactou severamente a vida e os meios de sobrevivência de centenas de milhares de pessoas. Milhões de toneladas de lama tóxica foram despejadas no rio Doce, chegando 21 dias depois à região litorânea, no município de Linhares (ES).
O conhecido “Caso Samarco”, empresa de propriedade da Vale e da BHP Billiton, chega aos 8 anos ainda repleto de insegurança para os atingidos, que continuam protestando por um processo de reparação/indenizatório, condizente com a gravidade da tragédia ambiental e humanitária.
“Os reflexos da lama tóxica serão sentidos ainda talvez por décadas, enquanto perdura uma forte insegurança dos atingidos com relação à uma reparação condizente com os danos”, avalia o ambientalista Carlos Jordão Ferreira, que acompanhou o desenrolar da tragédia ambiental nesses 8 anos.
“Infelizmente os impactados continuam aguardando, com muita insegurança, o que pode ainda ocorrer no conjunto de reparações. Tudo que ocorreu até agora não representa uma reparação justa” avalia o ambientalista.
Fundação Renova
A Fundação Renova, criada em 2016 para gerenciar as indenizações do Caso Samarco, alega que, em 8 anos, foram gastos cerca de R$ 32 bilhões em reparações, envolvendo pagamento de indenizações, reconstrução de comunidades destruídas pela lama, pagamento de Auxílio Financeiro Emergencial, obras de infraestrutura na bacia do rio Doce e programas sociais e de geração de renda em todas as comunidades atingidas, entre outras providências.
O consenso geral, no entanto, é que tudo isso é muito pouco pela dimensão da tragédia ambiental. No processo Indenizatório em si, a implantação do Sistema Simplificado de Indenizações, o Novel (vigente entre 2020/23) significou o meio mais eficiente de reparação, pagando R$ 10,3 bilhões a pouco mais de 100 mil atingidos ao longo da bacia do rio Doce e região estuarina.
Ainda sobre o Novel, milhares de atingidos ainda aguardam a definição sobre os processos pendentes, com negativas injustificáveis que atrasam indevidamente as reparações. A decisão que extinguiu o Novel tornou também ilegítimas as Comissões de Atingidos, que durante anos significaram a voz mais atuante em favor daqueles que foram impactados, atuando com dedicação nas várias vertentes reparatórias.
Se o Novel trouxe efetividade nas indenizações, amenizando o sofrimento de dezenas de milhares de atingidos, outras opções de reparação em andamento, no entanto, provocam muita insegurança com relação a um resultado positivo para os impactados.
Análise
Uma análise atualizada mostra hoje, 8 anos depois do rompimento da barragem de Mariana, as seguintes situações que podem trazer novas reparações aos impactados:
Repactuação
A repactuação significaria, em tese, um “acordo definitivo” de reparação da Vale e BHP envolvendo um conjunto de atores, entre eles a União, os governos estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo e também o conjunto de atingidos.
A repactuação está em andamento desde 2019, inicialmente coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas o acordo não foi fechado em 2020, conforme o esperado, e hoje está sendo coordenado pelo TRF 6, de Belo Horizonte.
Anunciado para ser assinada em 5 de dezembro (daqui a 30 dias, portanto), a repactuação traz, no entanto, dúvidas enormes envolvendo exatamente os atingidos.
Fala-se num montante Indenizatório em torno de R$ 120 bilhões, na repactuação, porém os atingidos estão em pé de guerra para evitar que estes recursos sejam destinados exclusivamente aos Governos de MG e do ES, além da União.
A constatação é lógica: os governos estaduais querem aplicar estes recursos em obras de infraestrutura e não deve, a princípio, sobrar nada para os atingidos.
Ação na Inglaterra
O escritório internacional de advocacia Pogust Goodhead move desde 2019, na Inglaterra, a ação mais volumosa do Caso Samarco, pedindo R$ 230 bilhões de indenização e tendo como autores pouco mais de 700 mil atingidos. A BHP e a Vale são rés neste processo, cujo início do julgamento está marcado para outubro de 2024.
Sobre o processo na Corte Inglesa, novamente surgem dúvidas: se a repactuação for realmente assinada no Brasil, a Corte Inglesa vai acatar o pedido de indenização? A Pogust Goodhead garante que a repactuação não interfere no processo da Inglaterra, porém este ingrediente novo (a repactuação) pode ser alvo de argumento judicial forte em favor da BHP e da Vale.
Na semana passada, um novo ingrediente veio trazer dúvidas no processo da Inglaterra: o TRF6 excluiu a região litorânea capixaba, momentaneamente, como impactada pela lama da Samarco, acatando um agravo de instrumento da Vale e BHP. A decisão judicial pede um novo laudo pericial para comprovar os impactos nesta região.
Como grande parte dos clientes da Pogust Goodhead são exatamente da região litorânea capixaba, a pergunta é lógica: se existe decisão judicial excluindo esta área, estes supostos atingidos seriam excluídos da decisão da Corte Inglesa, em caso de sentença favorável?
O Governo do Espírito Santo já anunciou que vai recorrer da retirada da região litorânea como impactada pelo desastre ambiental.
Ação do MPF
Mais um ingrediente no processo de reparação do Caso Samarco surgiu do MPF e demais instituições de Justiça, na semana passada, quando foi protocolada uma ação judicial na 4ª Vara da Justiça Federal, pedindo R$ 100 bilhões em indenizações coletivas aos atingidos ao longo da bacia do rio Doce. Uma ação necessária, mas surgida muito tardiamente, depois de exatos 8 anos depois do rompimento da barragem.
O MPF, através do procurador Carlos Bruno Ferreira, chegou a admitir que a Justiça Federal poderia, ainda na semana passada, dar uma decisão favorável à ação Indenizatória, o que acabou não acontecendo.
Aguardar
Resta aos atingidos, diante de todo este conjunto de ações envolvendo as reparações, aguardar os acontecimentos. O fato é que, passados 8 anos do rompimento da barragem de Mariana, o “Caso Samarco” parece estar ainda longe de um desfecho.
Centenas de milhares de atingidos aguardam, com ansiedade, o que ainda pode ocorrer em reparação consequente do rompimento da barragem de Mariana.