Durante este mês de outubro, três capitais de países europeus (Roma, Paris e Londres) , estão recebendo uma exposição com 200 fotografias do renomado fotógrafo Sebastião Salgado, mostrando a floresta amazônica , grande parte dela ainda intocada, e seus guardiões.
As fotos, em p&b, mostram uma amazônia ainda exuberante, com florestas imensas e seus principais guardiões, entre eles os índios e também o Exército Brasileiro, que realiza um excelente trabalho de monitoramento na vasta região.
Sebastião Salgado dispensa apresentações: é mineiro de Aimorés, cidade onde fundou em 1999 o Instituto Terra, hoje um exemplo de como é possível, sim, recuperar a floresta atlântica desenvolvendo programas de replantio e também de recuperação de nascentes – o que está sendo feito ao longo da bacia do rio Doce pelo Instituto.
A exposição
É como entrar na floresta, pela terra e pelo céu. Se você pensa que esta é mais uma exposição do fotógrafo Sebastião Salgado, engana-se. “Amazônia” — exposta agora em outubro simultaneamente em Paris, Roma e Londres — é um tributo a nossa maior riqueza ambiental. Intocada. É também uma descoberta, jamais vista antes, de montanhas e “rios voadores” amazônicos, duplicados por reflexos. Vi na Filarmônica de Paris e aguardo rever no Brasil, em 2022.
Na penumbra, 200 fotos, em todas as nuances de preto e branco, nos transportam para uma terra feita de vegetação e água, de nuvens e umidade. Muitas fotos parecem flutuar no espaço, penduradas no teto por fios transparentes. Os sons amazônicos das aves, dos animais, das folhas e dos temporais foram obtidos no Museu de Etnografia de Genebra para inspirar e enriquecer a sinfonia original composta por Jean-Michel Jarre. A trilha da floresta ajuda a transformar “Amazônia” numa experiência quase mística e religiosa. Nos sentimos pequeninos diante da Natureza, exuberante e grandiosa. Não é clichê. Os fachos de luz que atravessam as nuvens lembram a presença de Deus — até para quem não tem fé.
As imagens foram registradas em quase sete anos de viagens de Salgado, com a ajuda dos helicópteros e aviões do Exército brasileiro. Foram ao todo 48 viagens, do início de 2013 ao fim de 2019. O artista e ambientalista é profundamente grato à ajuda logística dos militares, que aceitaram que ele viajasse nas aeronaves, muitas vezes de porta aberta com suas câmeras e seu equipamento. O Estado-Maior do Exército brasileiro tem a maior presença dentro da Amazônia: 23 quartéis, o que possibilitou essa longa expedição de Salgado.
Em live do Conselho Nacional de Justiça, no mês passado, Salgado apresentou 200 painéis fotográficos da exposição (com reprodução vetada no YouTube) e fez um relato de seu trabalho. “Pude pela primeira vez apresentar a maior cadeia de montanhas do Brasil, a Imeri. Está situada na Amazônia e os brasileiros não conhecem. A Amazônia não é só a grande planície em que os rios serpenteiam no meio. São os rios aéreos. Essa coisa maravilhosa que garante a umidade em toda a área agrícola do Centro-Oeste e do Sul do Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina. Esses rios voadores levam um volume de água colossal para o planeta inteiro. Não podemos perder a Floresta Amazônica. Ela é generosa, ela doa para todos.”
As fotos, imensas, nos subjugam enquanto penetramos na exposição. É como se sentíssemos a bruma, os temporais. Não é a Amazônia em chamas que temos visto em desmatamentos criminosos. Não é a Amazônia degradada por garimpo ou ceifada por madeireiras. É, nas palavras de Salgado, “o paraíso na Terra”. E dentro do paraíso, estão os indígenas. Retratados ali com nobreza, escutados em vídeo como os senhores das terras mais preservadas do Brasil, as reservas garantidas pela Constituição.
O estúdio que Salgado montou na mata para fotografar os índios segue um desejo seu. Ele não queria que o cenário e as árvores contaminassem as expressões, os rostos, as poses. Um lençol branco está pendurado, um plástico encobre o chão. E Salgado aguarda que eles venham quando e como quiserem, pintados ou não, com cocar ou não. Tudo feito em conjunto com a Funai. “Os índios são o homem antes do pecado original. As tribos são boas, não são violentas. Somente os indígenas que convivem com nossa sociedade dura se permitem alguma agressividade. Os indígenas são os grandes guardiões da floresta, junto com as Forças Armadas.”
Um dos méritos é a cenografia, a montagem. Quem dá a última palavra é Lélia Salgado, há 57 anos mulher de Tião, como o chama.
— Minha ideia foi reproduzir a harmonia desse lugar muito especial. A Amazônia é linda. Cada museu permite uma montagem diferente. Escolhi a penumbra, deixando só as fotos iluminadas. Criei ocas, longitudinais e uma redonda. Usei paredes vermelho ocre, cor da terra. O resto é pintado de cinza escuro. O teto é preto, para desaparecer. Queríamos exibir a Amazônia intocada, viva. Chamar atenção para a maior reserva de água doce, a importância do oxigênio para o planeta.
Como em Paris, tanto no MAXXI, o museu de arte contemporânea em Roma, quanto no Science Museum de Londres — com abertura no dia 13 —, Lélia também criou o cenário e editou os livros sobre a exposição. Assim tem sido em todos os eventos do marido. “Tião” nunca tem ideia de como vai ficar. Lélia já deixou claro em entrevistas à imprensa que não anda atrás de ninguém e sim “ao lado”. Nada disso de ser a grande mulher por trás do grande homem. Ela detesta esse rótulo.
Lélia é o fio terra do artista. Capixaba, caçula de oito irmãos, radicada há mais de quatro décadas em Paris, é mãe dos dois filhos dele, um com síndrome de Down, o Rodrigo, ou Digo. Fundou com o marido o Instituto Terra, destinado a recuperar a Mata Atlântica na antiga fazenda onde Tião foi criado, em Aimorés (Minas Gerais).
O casal Salgado não faz concessões estéticas ou logísticas a museus que queiram expor “Amazônia”. Ou é do jeito que conceberam ou esquece. Porque “Amazônia” transcende a fotografia, o documento, a arte. É um evento político. Ainda mais num país em que o Poder Executivo briga contra a floresta, contra os índios, a favor das boiadas e do garimpo. A Amazônia transcende, claro, o Brasil. Ocupa quase um terço da América do Sul e envolve nove países. Para nossa honra e glória, o Brasil abriga 65% da superfície total da Amazônia.
Em São Paulo e no Rio
Salgado alerta para a “situação dramática hoje no Brasil, os ataques severos que estão sendo perpetrados contra a maior reserva natural para as gerações futuras do Brasil”. O Poder Judiciário, segundo ele, é nosso grande aliado na luta pela preservação. “Dedico minha exposição aos indígenas. Principalmente os que estão se manifestando, na Esplanada dos Ministérios, contra os ataques a suas terras. Precisamos ajudá-los a preservar a floresta em pé. E as Forças Armadas têm a obrigação de proteger.”
Quem nunca foi à Amazônia deve preparar-se, no Brasil, para fazer essa imersão na maior floresta tropical do planeta, pelas lentes de Salgado. É imperdível e dá orgulho. A exposição está prevista para fevereiro, no Sesc em São Paulo, e julho no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. É uma forma de conhecer e celebrar nosso maior patrimônio, que hoje anda na boca do mundo e da Greta Thunberg.