As chuvas estão entre os principais fatores que podem resultar no rompimento de uma barragem de mineração. E a temporada chuvosa começa em Minas Gerais com um total de 44 represas de rejeitos embargados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), por não reunirem condições seguras de funcionamento, segundo levantamento da reportagem do Estado de Minas a partir de dados do órgão regulador. O conjunto representa risco direto para 60,9 mil pessoas que vivem abaixo dessas estruturas sem garantias. Se reunido, esse seria um contingente que superaria a população individual de 800 municípios mineiros.
“No período chuvoso, as empresas implementam um plano de preparação específico. Qualquer incidente, mesmo pequeno, deve ser reportado no mesmo dia, o que permite à ANM avaliar a situação e, se necessário, adotar medidas corretivas para assegurar a segurança das estruturas e áreas próximas”, informa a agência.
Um dos piores barramentos em termos de segurança é a Barragem de Serra Azul, operada pela ArcelorMittal em Itatiaiuçu, na Grande BH. O barramento se encontra em nível 3 de emergência, o mais crítico e que indica estrutura sob risco iminente de ruptura ou em colapso. A barragem Forquilha 3, da Vale, em Itabirito, na Região Central, se encontra no mesmo nível, mas dispõe de uma Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), ou seja, uma outra barragem construída para deter os rejeitos em caso de rompimento, para que não atinjam comunidades, estradas e áreas importantes.
A barragem de Serra Azul tem uma estrutura semelhante em construção, mas que só deve ficar pronta em 2025, sendo teoricamente capaz de reter seus pouco mais de 5 milhões de metros cúbicos (m³) de rejeitos. Das 44 barragens interditadas pela ANM, 30 encontram-se em processo de descaracterização, ou seja, estão sendo desmanchadas e o local em que se encontram será transformado em paisagem próxima à natural. Contudo, somente sete dessas estruturas em descaracterização possuem uma ECJ.
Ao todo, essas barragens retêm 517.479.356,83 m³ de resíduos e água, volume mais de uma vez e meia maior que os 311.491.000 m³ que a Lagoa da Pampulha chegou a ter em 1941, quando foi inaugurada e antes de décadas de assoreamento.
Esse volume total é também superior a 11 vezes o que foi lançado na Bacia Hidrográfica do Rio Doce entre Minas Gerais e o Espírito Santo, após a ruptura da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, 19 pessoas morreram após o despejo de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro da mina da Samarco sobre os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce até o Oceano Atlântico, no maior desastre socioambiental do Brasil.
Se comparado aos 9 milhões de metros cúbicos despejados na Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba com o rompimento das barragens B1, B4 e B4-A da mineradora Vale na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, o montante supera 57 vezes o que matou 272 pessoas, em 25 de janeiro de 2019.
19 represas usam método condenado
Grande parte desses barramentos em situação crítica foi construída e depois ampliada pela técnica de alteamento a montante, chegando a 19 estruturas. Esse é o mesmo método das barragens que se romperam em Brumadinho e em Mariana, e que foi banido do Brasil após os desastres. Todas essas estruturas terão de ser descaracterizadas em Minas Gerais até 2035, após acordo com o Ministério Público (MPMG). Desde 2019, outras 19 represas de rejeitos, ao todo, foram descaracterizadas.
Uma investigação sobre a estrutura dessas barragens mostra que um total de 11 tem a instrumentação que monitora as condições do barramento em desacordo com o projeto. Isso significa que os equipamentos e instrumentos usados para monitorar a segurança da barragem (como piezômetros, inclinômetros e medidores de nível de água) não estão instalados, operando ou registrando dados conforme o planejado no plano original de segurança. São equipamentos essenciais para captar informações sobre a pressão da água, movimentação do solo e eventuais deformações que podem indicar problemas estruturais.
A ANM define em suas resoluções, como a 13/2019 que sem essas medições regulares é impossível garantir que a barragem esteja segura, o que aumenta o potencial para acidentes, como deslizamentos ou rompimentos. A falta de instrumentação adequada compromete também a capacidade dos engenheiros de avaliar mudanças ao longo do tempo e implementar medidas preventivas eficazes.
Danos de escoamento e infiltração de água
São vários problemas estruturais apontados pelos laudos da Agência Nacional de Mineração (ANM) que trazem preocupação sobre o estado de conservação das barragens embargadas em Minas. Em 12 delas, por exemplo, não há confiabilidade nas estruturas extravasoras. Algumas se encontram em obras corretivas, outras tiveram sua capacidade de vazão reduzida.
Isso significa que dispositivos responsáveis por escoar o excesso de água, como vertedouros, descarregadores de fundo e canais de fuga, apresentam algum tipo de deficiência que compromete sua capacidade e pode levar a uma sobrecarga da barragem ou a erosão, danos estruturais e inundações.
Há problemas de percolação (infiltração) em 18 das barragens interditadas, podendo ocorrer surgimento de água em estruturas como paramentos, taludes e ombreiras. Em oito barragens foram identificadas deformações e recalques, como trincas e abatimentos.
Em 28 estruturas foi identificado processos de deterioração dos taludes e paramentos das barragens, como falhas de proteção, crescimento de vegetação arbustiva, erosões superficiais, ferragens expostas, sulcos e erosões. Há 13 estruturas com problemas identificados nos sistemas de drenagem superficial, podendo ser trincas, assoreamento ou abatimento.
Se uma catástrofe como um rompimento se repetir em uma dessas 44 estruturas interditadas em Minas, o risco ambiental é considerado “muito significativo” pela ANM em 14 casos, e “significativo” em 23 situações, por ser a área potecialmente afetada “de interesse ambiental relevante ou áreas protegidas em legislação específica”, aponta a ANM.
Já os impactos socioeconômicos são considerados “altos” em 20 barramentos interditados pela ANM, uma vez que se identificou “alta concentração de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura de relevância socioeconômica e cultural na área afetada a jusante (abaixo) da barragem”, caracteriza a agência.
Apreensão extrema em Itatiaiuçu
Em Itatiaiuçu, a situação da Barragem de Serra Azul é tão crítica que foi necessário evacuar preventivamente os moradores do Bairro Pinheiros, localizado na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS). Essa área está equipada com sirenes e placas que instruem cada indivíduo a se salvar por conta própria, pois não haveria tempo para intervenção de equipes de socorro em caso de desastre.
Nessas condições, parar para ajudar alguém pode ser fatal, já que não há como as equipes de resgate realizarem evacuações a tempo em caso de rompimento. A mineradora ArcelorMittal também está construindo uma barreira para evitar que os rejeitos, em caso de colapso, cheguem às áreas mais críticas, conforme mostrado com exclusividade pelo Estado de Minas.
A apenas cinco quilômetros da barragem, logo abaixo do Bairro Pinheiros, encontra-se a estrada mais movimentada de Minas Gerais, a BR-381 (Rodovia Fernão Dias), que liga Belo Horizonte a São Paulo. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), no posto de contagem de veículos da cidade vizinha de Igarapé, a média diária é de 31.840 automóveis. Caso os rejeitos se comportem de forma semelhante ao ocorrido em Brumadinho, eles atingiriam a rodovia em aproximadamente 2 minutos e 30 segundos após eventual ruptura da barragem.
A 12 quilômetros do reservatório em estado crítico de emergência, encontra-se a maior captação de água reservada da Copasa na Grande BH – o reservatório de Rio Manso, projetado para abastecer 35% da região, cerca de 1,5 milhão de pessoas. A água retirada e tratada para distribuição poderia ser contaminada pela lama e rejeitos de minério em aproximadamente 6 minutos.
A ArcelorMittal infoma ter instalado na barragem da Mina de Serra Azul uma série de novos equipamentos e tecnologias que sofisticaram e tornaram mais preciso o monitoramento de segurança. “São monitorados o nível de água em diversos pontos no interior da barragem, por meio de piezômetros; as vibrações, pelos sismógrafos; a integridade da estrutura, por meio de duas câmeras de alta resolução, radar e imagens de satélites; a vazão de água e o volume de precipitações de chuvas”.
De acordo com a empresa, a maior parte desses equipamentos foi automatizada e transmite leituras em tempo real para o Centro de Monitoramento, onde são acompanhadas por técnicos 24 horas por dia, sete dias por semana, com atualizações diárias à ANM.
A mineradora informou também que o sistema extravasor da barragem é dimensionado para atender aos volumes mais extremos de chuvas (Precipitação Máxima Provável e Decamilenar). Em 2019, informa que foi construído um canal de cintura que retira da mina e da barragem as contribuições das águas das chuvas. Ao todo, 58 famílias que moravam na Zona de Autossalvamento foram preventivamente realocadas e a região permanece evacuada.
“A empresa está construindo a Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), que será capaz de reter todo o rejeito no caso de um eventual rompimento da barragem. O compromisso de conclusão da ECJ é setembro de 2025 e as obras serão entregues dentro do prazo”, completa a ArcelorMittal.
FONTE: www.em.com.br