Uma jovem advogada de Baixo Guandu (ES), Richardeny Lemke, se transformou numa referência no conhecido Caso Samarco, ao conseguir na Justiça Federal, em 2020, uma sentença inédita e histórica, possibilitando o pagamento de mais de R$ 10 bilhões de Indenizações a aproximadamente 100 mil atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015.
Desde a implantação do Novel, resultado da ação na Justiça Federal, a advogada Richardeny Lemke passou a dedicar sua trajetória profissional exclusivamente à reparação aos atingidos, percorrendo o país onde participa de audiências, seminários, reuniões, eventos corporativos e movimentos reivindicatórios, exatamente em função da atuação reconhecida que realiza no processo de reparação do Caso Samarco.
Convidada até para participar recentemente da posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luis Roberto Barroso, Richardeny Lemke encara a vida agitada com tranquilidade. Ela faz questão de manter os hábitos simples de vida em Baixo Guandu e quer apenas manter o foco na reparação aos atingidos pela lama tóxica que destruiu o rio Doce.
“É um processo longo, com muitos capítulos pela frente e existe a necessidade de permanecer na luta por uma reparação digna aos atingidos”, diz a advogada de Baixo Guandu.
Entrevista
Richardeny Lemke concedeu ao JornalFolha1 uma ampla entrevista, esta semana, exatamente quando o Caso Samarco completa 8 anos.
Ela aborda, sem receios, os temas mais polêmicos que envolvem o conjunto de reparações e indenizações, reiterando uma forte disposição de luta, sem medir críticas à Vale, BHP e Samarco pela irresponsabilidade que teve como consequência o rompimento da barragem de Mariana.
JornalFolha1:
Em 5 de novembro completou 8 anos o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, naquela que é considerada a maior tragédia ambiental da história do Brasil. Qual balanço que você faz deste longo período de luta pela reparação aos atingidos?
Dra. Richardeny Lemke: O Brasil e o mundo viram assustados, naquele novembro de 2015, o vazamento de milhões de toneladas de material tóxico que atingiu de forma avassaladora o rio Doce e a região litorânea, já no Espírito Santo, num percurso de quase 700 quilômetros.
É difícil imaginar como empresas no topo da mineração mundial, como a Samarco, a Vale e a BHP deixaram isso acontecer. Uma irresponsabilidade difícil de imaginar, que afetou centenas de milhares de pessoas, com reflexos que vão ser sentidos, por décadas. São 8 anos de luta e angústia para os atingidos, num processo de reparação extremamente complexo, que vai se estender ainda por um longo período.
JornalFolha1:
Quando se fala em reparação aos atingidos, de imediato aparece o Sistema Simplificado de Indenizações, conhecido como Novel, que você conseguiu em 2020 representando, como advogada, a Comissão de Atingidos de Baixo Guandu. Uma sentença inédita da Justiça Federal permitiu o primeiro passo para iniciar uma reparação mais abrangente aos atingidos…
Dra. Richardeny Lemke: Primeiro é bom lembrar que, ainda em 2016, acabei me engajando definitivamente na luta dos atingidos, prestando assistência jurídica gratuita a um movimento tímido que surgiu em Baixo Guandu. Foi criada uma Comissão de Atingidos que fazia reuniões periódicas, procurando identificar quem tinha sido impactado e de que forma isso aconteceu. O movimento cresceu, as demais Comissões de Atingidos dos outros territórios impactados também começaram a se mobilizar, pela bacia do rio Doce e região estuarina, e tudo isso deu subsídios para elaborarmos uma maneira de buscar justiça aos impactados.
JornalFolha1:
Foram, portanto, 4 anos de luta até conseguir uma sentença judicial que permitisse um conjunto de indenizações forte, amplo, simplificado, beneficiando categorias até então totalmente esquecidas nas tímidas reparações que vinham sendo feitas através do Programa de Indenização Mediada, o PIM…
Dra. Richardeny Lemke: Exatamente. O Programa de Indenização Mediada (PIM) da Fundação Renova, oferecia pouco mais de R$ 11 mil a título de indenização às famílias impactadas pelo Caso Samarco. Na verdade, uma quantia que parecia esmola diante da amplitude do impacto da lama que destruiu o rio Doce, porém centenas de atingidos aceitaram este valor porque passavam por sérias necessidades. Através da Fundação Renova, criada em 2016 para gerenciar as reparações, criou-se também o programa do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) – PG 21, que garantia uma quantia mensal, muito pequena, para amenizar o sofrimento de milhares de pessoas.
Tudo isso, no entanto, representava uma reparação ínfima, totalmente incompatível com o tamanho do desastre ambiental, pois, cerca de 90% dos impactados, ainda aguardam ansiosamente o recebimento deste auxílio, eis que, ainda não puderam retomar suas atividades.
JornalFolha1:
Surgiu então a sentença instituindo o Novel, numa decisão histórica que, em números, se transformaria na maior indenização coletiva da história mundial da mineração…
Dra. Richardeny Lemke: A publicação da Sentença que instituiu o Novel, foi um sopro de esperança aos atingidos, que estavam a mercê das empresas, pois, não detinham a documentação necessária para pleitear junto a justiça comum, e aguardavam que as tratativas realizadas nas Câmaras Técnicas, CIF, reuniões territoriais com as Instituições de Justiça, trouxessem reparação integral ao atingido, o que infelizmente não ocorreu até o presente momento.
Somente com mobilização das Comissões de Atingidos de Baixo Guandu, inicialmente, e de Naque (MG), logo em seguida, ajuizamos na 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, uma ação pleiteando o reconhecimento do município, bem como, dos danos e categorias impactadas.
Em 01 de julho de 2020, o Juiz Mario de Paula Franco Junior proferiu a sentença acatando o pedido e instituindo um sistema simplificado baseado na rough justice, que resultou na primeira indenização via Novel em 10 de setembro do mesmo ano.
JornalFolha1:
Você acreditava que a sentença alcançaria cifras bilionárias de indenização, como de fato ocorreu?
Dra. Richardeny Lemke: Nós tínhamos consciência de que o Sistema Simplificado de Indenizações, o Novel, poderia, sim, se espalhar pela bacia do rio Doce e região estuarina. Foi o que aconteceu. A própria Justiça, atendendo a requerimento das Comissões de Atingidos, estendeu, por fim, o Novel a 55 localidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, compreendendo 45 municípios atingidos.
Quanto à amplitude das indenizações do Novel, os números falam por si: foram pagos mais de R$ 10 bilhões a aproximadamente 100 mil atingidos, entre pessoas físicas, pequenas empresas, agricultores, incluindo ainda categorias que nunca tiveram seus direitos reconhecidos pela Fundação Renova e qualquer outra entidade, como areeiros, pescadores informais, artesãos, lavadeiras, carroceiros, garimpeiros, faiscadores e outras atividades. Eram pessoas que dependiam do rio Doce e da região estuarina impactada, para sua sobrevivência e, com o Novel, tiveram naquele momento seu direito reconhecido.
O Novel acabou extinto pela própria Justiça Federal em julho de 2023, porém existem recursos no TRF 6, em andamento, um deles do próprio Ministério Público Federal, pedindo o retorno do Sistema Simplificado. Na mesma decisão, o juiz Vinícius Cobucci tornou também ilegítimas as Comissões de Atingidos formadas ao longo da bacia do rio Doce e região estuarina, representando um grande retrocesso na luta pelas reparações. Estamos na luta para reverter também esta situação.
Vale lembrar, também, que existem ainda milhares de processos do Novel que estão aguardando análise, estando em sua maioria, em sede recursal, que vem sendo morosamente processada na própria plataforma online.
JornalFolha1:
O processo indenizatório do Caso Samarco, agora, não se resume ao Novel. Você se tornou uma referência na reparação do desastre ambiental porque conseguiu encontrar, cinco anos depois do rompimento da barragem, em 2020, uma fórmula indenizatória ampla e abrangente. Você se propõe a opinar sobre as demais vertentes da reparação do Caso Samarco?
Dra. Richardeny Lemke: Claro, sem problemas. Eu não estou restrita ao Novel, tanto que viajo constantemente país afora para me inteirar do conjunto indenizatório e dos programas reparatórios, lutando sempre pela ampliação dos benefícios aos atingidos.
JornalFolha1:
Vamos começar então pelo Auxílio Financeiro Emergencial, o AFE. Qual sua posição sobre este tema?
Dra. Richardeny Lemke: O Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) foi uma das primeiras medidas compensatórias depois do rompimento da barragem, que infelizmente não contemplou todos os impactados, que até o momento aguardam seu deferimento. Portanto, eu defendo uma ampliação robusta deste benefício, envolvendo inclusive todos aqueles que receberam indenização pelo Novel. O AFE tem que ser estendido e temos lutado por isso, por um motivo muito simples: as atividades produtivas não voltaram para o sustento dos atingidos. O rio Doce continua contaminado e incapaz de prover as famílias, situação que se reflete também na região estuarina.
Resumindo, o AFE deveria fazer parte do cotidiano de centenas de milhares de atingidos, não interessa se por 5, 10, 15 anos ou mais, até que o rio Doce esteja de fato recuperado, com comprovação via laudo confiável e imparcial. Independentemente de qualquer outra indenização recebida, por possuir caráter distinto, conforme amplamente decidido pelos magistrados federais, o AFE é fundamental para dar dignidade a quem dependia da qualidade da água para sua sobrevivência.
JornalFolha1:
Outro tema polêmico que envolve o Caso Samarco é a repactuação, que segundo consta pode finalmente ser assinada até o dia 5 de dezembro. Como você vê este processo?
Dra. Richardeny Lemke: Primeiramente é preciso lembrar que a repactuação, que em tese significaria um “acordo final” sobre o Caso Samarco, está em discussão desde 2019. Primeiro, foi coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), num longo período em que houveram oitivas com os atingidos, inclusive uma audiência pública realizada em Baixo Guandu, com o conselheiro Bandeira de Mello, permitindo que os atingidos pudessem levar suas reivindicações. Participei também de encontros em Brasília, sendo um deles com o ministro Luiz Fux, presidente do STF, na época, expondo em audiência a necessidade do atingido ser amplamente beneficiado com a repactuação.
Contudo, não fecharam a repactuação naquele ano de 2022, como era a previsão inicial. Posteriormente a condução da repactuação passou por um processo em que os Governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, além da União, passaram a dar as cartas e deixando claro que os recursos deveriam ser destinados prioritariamente aos Governos. Atualmente, após muitas manifestações das Comissões de Atingidos de toda a bacia do rio Doce e região estuarina, a repactuação coordenada pelo TRF 6, de Belo Horizonte, começou a tratar sobre a reparação individual do atingido, e não somente a reparação à coletividade, como vimos nos últimos anos.
Diante da cláusula de confidencialidade, as decisões, ao que parece, estão sendo tomadas a portas fechadas, e consta que, estando perto de um desfecho, a repactuação pode ser uma grande decepção aos atingidos. Tudo indica que os valores, que podem passar de R$ 100 bilhões, seriam divididos especialmente entre os Governos de MG e do ES, para obras de infraestrutura.
Aí perguntamos: e os atingidos, como ficam nesta história? O que sobraria para eles destes recursos? O acordo da repactuação está com data marcada para conclusão, no dia 5 de dezembro de 2023. Uma decisão do desembargador Ricardo Rabelo, do TRF 6, no entanto, da semana passada, colocou novas dúvidas sobre o acordo.
O magistrado acolheu um agravo de instrumento da Samarco, Vale e BHP, suspendendo o direito à reparação da região litorânea capixaba, determinando a necessidade de um novo laudo técnico para comprovação do impacto, em Conceição da Barra, São Mateus, Aracruz, Serra e parte de Linhares e demais localidades presentes da Deliberação 58 do CIF.
O que nos deixou surpresos, pois, tais localidades foram reconhecidas como impactadas pelo CIF, pelas Instituições de Justiça e pela própria Vara Federal. Creio que esta decisão do desembargador pode, de certa forma, emperrar a repactuação, já que recursos já estão sendo elaborados contestando a medida. Resta-nos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.
JornalFolha1:
Voltando à repactuação, você acha então que o desfecho pode ser protelado…
Dra. Richardeny Lemke: Tudo faz crer que sim, lembrando que este processo teve início em 2019 e, passados 4 anos, permanece sem conclusão. O pouco que nos resta é lutar pelos atingidos para que eles sejam diretamente os beneficiados com um porcentual significativo dos valores acordados.
Em último caso, se o resultado da repactuação não satisfazer aos impactados, resta como opção a judicialização da questão. Sim, temos sempre que confiar na Justiça. Para isso existe o STJ e o STF, que são superiores ao TRF 6, que estaria fechando os termos finais da repactuação. No entanto, neste processo, agora, a decisão recente do TRF 6 pode ser um novo entrave à repactuação.
Entendemos que não resta dúvida que a região litorânea capixaba também foi severamente atingida e a decisão do desembargador Ricardo Machado Rabelo é equivocada. O Governo do Espírito Santo já anunciou que irá recorrer.
JornalFolha1:
E o processo contra a Vale e a BHP na Inglaterra, que pede R$ 230 bilhões de indenização e está para ser julgada em outubro de 2024?
Dra. Richardeny Lemke: Eu sempre digo que toda indenização do Caso Samarco é devida. O processo da Inglaterra está bem fundamentado pela Pogust Goodhead e o andamento dele aponta uma certa direção à possibilidade de decisão favorável. Fala-se também na chance de um acordo antecipado com a BHP e a Vale, antes do julgamento pela Corte Inglesa, o que abreviaria a liberação das indenizações.
Sobre a ação na Inglaterra, novamente lembro da decisão recente do TRF 6, que retirou momentaneamente a região litorânea da condição de impactada. Dezenas de milhares de atingidos desta região estão entre os autores da ação inglesa. Eu pergunto: com a decisão do TRF 6 estes atingidos ficariam, em tese, fora de uma provável indenização a ser definida pela Corte Inglesa?
Repito que toda indenização é devida e o processo na Inglaterra pode sim, trazer benefícios aos atingidos. Vamos torcer para um desfecho favorável.
JornalFolha1:
Passados 8 anos do rompimento da barragem, completados em novembro de 2023, na sua opinião estamos perto de um desfecho, de um ponto definitivo em tudo que envolve o Caso Samarco?
Dra. Richardeny Lemke: Definitivamente, minha resposta é não. A conclusão da repactuação, se for o caso, do Novel e do processo da Inglaterra, são apenas etapas desta que foi a maior tragédia ambiental da história do país.
Temos um longo futuro pela frente, a começar pela necessidade de responsabilizar as empresas poluidoras Vale e BHP pela plena recuperação do rio Doce. Sem esta recuperação, como os atingidos poderão retornar às suas atividades, garantindo seu sustento?
Não sabemos, da mesma forma, quais as consequências a médio e longo prazos, da utilização da água do rio Doce para abastecimento doméstico, por exemplo, uma vez que a lama tóxica destruiu e contaminou tudo. Perguntamos: que danos à saúde da população esta contaminação pode trazer a longo prazo? E a pesca, será plenamente restabelecida? E a agricultura que dependia da irrigação, vai ficar comprometida?
Estas são apenas algumas indagações. Temos que ficar vigilantes, não interessa se por mais 5, 10 ou 20 anos. O Caso Samarco não pode ser esquecido, exatamente para lembrar às empresas poluidoras que toda irresponsabilidade tem consequências. Só assim evitaremos, no futuro, que novos desastres ambientais aconteçam.
JornalFolha1:
Você publicou recentemente um livro com o título ‘Caso Samarco”, que relata em pormenores todo o desastre ambiental e a longa luta pelas indenizações e reparações aos impactados. Porque você publicou este livro?
Dra. Richardeny Lemke: Eu senti a necessidade de fazer um registro histórico de todo o processo que culminou no rompimento da barragem de Mariana, iniciando com um histórico desde a descoberta das riquezas minerais em Minas Gerais, no começo da colonização do Brasil. Fiquei muito feliz com a receptividade do livro, que conta em detalhes a trajetória que levou a Justiça Federal a instituir o Novel, registrando, ao mesmo tempo, a necessidade de continuarmos lutando por uma reparação mais ampla e digna, além é claro, da necessária recuperação do rio Doce para que as pessoas impactadas voltem às suas atividades.
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Não fui indenizado por nada assim como muitos dos atingido depende de 2015 devido a falta de orientação pra tratar junto as cláusulas da renova que não eram clara faltou orientação por parte de quem nos assistia na época não ser incluído no campo correto do titular nas documentações passou o tempo e indenizaram outro atingido deixando nos na saudades falha da 12 vara mg que ainda nos fez o desprezo de nos indeferir mas de gente atingido indeferido outros de outras época futura foram reconhecidas só porque ligaram pra renova em uma data de um certo ano muito depois da tragédia, peço aos advogados pra se atentar a este fato junto da nova comarca TRF 6.
Meu nome tá tá no processo de indenização e
Não recebi o cartão !