O maior desastre ambiental da história da mineração no Brasil completa seis anos em novembro de 2021. O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ocorrido exatamente no dia 5 de novembro de 2015, provocou 19 mortes e invadiu o leito do rio Doce com milhões de toneladas de lama tóxica, provocando um rastro de destruição ao longo de toda bacia, até atingir o Oceano Atlântico.
Centenas de milhares de pessoas foram atingidas pela tragédia, cuja reparação se arrasta há anos e obteve uma resposta mais efetiva em julho de 2020, com uma Sentença da 12ª Vara da Justiça Federal, que criou um Sistema Simplificado de Indenização.
A advogada Richardeny Lemke Ott, formada no UNESC em 2007, juntamente com as Comissões de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e Naque (MG), peticionou na Justiça Federal em 2020 uma reparação de danos diferenciada, de forma simplificada, obtendo uma Sentença vitoriosa que prossegue beneficiando milhares de pessoas.
Residente em Baixo Guandu, onde por 7 anos foi Advogada do Procon e Assessora Jurídica no Município, casada e mãe de duas crianças, a advogada Richardeny concedeu esta entrevista especial ao Folha Guanduense, contando a trajetória de luta que permitiu um processo indenizatório histórico, ainda em curso, que pode beneficiar a mais de 300 mil pessoas ao longo da bacia do rio Doce.
Atualmente mais de 400 advogados atuam no Sistema Indenizatório Simplificado, em toda bacia do rio Doce, e a adesão do atingido é facultativa: ele pode optar por acionar a Justiça de outra forma para obter reparação de danos.
A entrevista
Folha Guanduense: O rompimento da barragem de Mariana, de responsabilidade da Samarco e suas coligadas Vale e BHP Billiton ocorreu em 2015. Quando você passou a se interessar pelo tema?
Richardeny Lemke Ott: Trabalhei com atendimento ao público desde 2010 na região, e com o acontecimento do desastre em 2015, passei a receber diariamente pessoas impactadas pela lama tóxica no rio Doce, relatando as dificuldades que estavam passando para sobreviverem com a perda de sua fonte de renda. Eram pessoas simples, trabalhadoras, honestas, que necessitavam do rio doce para manter seu ofício e perderam sua fonte de renda, mesmo com muitas delas recebendo um auxílio mensal emergencial da Fundação Renova.
Ainda em 2015 um grupo de pessoas atingidas de Baixo Guandu deu início a Comissão dos Atingidos local, buscando um canal de diálogo junto a Fundação Renova e demais entidades, em busca de reparação efetiva de danos que contemplasse as diversas pessoas atingidas que até então eram invisíveis no processo tímido de indenizações.
Folha Guanduense: Como funcionava esta comissão e como você se engajou na luta?
Richardeny Lemke Ott: Eu passei a participar das reuniões desta Comissão de Atingidos, que aconteciam frequentemente nos bairros, onde os grupos de atingidos se reuniam para discutir seus impactos, e esse processo foi fundamental para ampliar minha visão sobre a profundidade dos danos causados à população. Era grande o número de impactados, pessoas que perderam sua renda, pois ela estava diretamente ligada ao rio Doce, mas nunca haviam recebido atenção com relação à reparação indenizatória. O movimento acontecia também nas outras cidades ao longo do rio doce, onde também eu sempre participava das reuniões e o objetivo era um só: buscar uma solução reparatória para os atingidos.
Busquei também, sempre em consonância com a Comissão dos Atingidos, participar das reuniões do Comitê Interfederarivo (CIF) e das Câmaras Técnicas, que eram realizadas em locais distintos da bacia do rio Doce, em Belo Horizonte e Brasília.
Folha Guanduense: Mas até então nenhuma solução efetiva de indenização aos atingidos…
Richardeny Lemke Ott: Sim, as dificuldades eram enormes, mas nunca desistimos da luta, pois se tornou necessário buscar uma fórmula diferente do chamado Programa de Indenização Mediada – (PIM) desenvolvido pela Fundação Renova, que aplicava uma política indenizatória de apenas R$ 11.200,00 na maioria dos casos aos impactados.
Posteriormente, ainda sem solução concreta aos atingidos, em janeiro de 2020, numa reunião do CIF realizada em Belo Horizonte, estavam presentes Fundação Renova e demais Órgãos pertencentes ao processo de reparação, recebemos uma notícia “desanimadora”: o processo indenizatório estava judicializado e se baseava em 10 Eixos Prioritários, entre eles um que genericamente falava em indenizações de pessoas impactadas. Ou seja, efetivamente, nenhuma solução prática para reparar os impactados, mesmo após 5 anos transcorrido do desastre ambiental.
Folha Guanduense: E o que aconteceu a partir daí?
Richardeny Lemke Ott: No mesmo dia desta reunião, que foi uma espécie de “balde de água fria” nas Comissões dos Atingidos, decidimos procurar a 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte. Em minha companhia se encontravam: Terezinha Guês, de Baixo Guandu, Benilde Madeira de Aimorés e Enéas Filho, de Conceição da Barra, todos representando as comissões.
Tamanha era nossa simplicidade, que sequer sabíamos o endereço da 12ª Vara Federal e chegamos lá com objetivo de sermos ouvidos e entender como estava a tramitação do Processo da Samarco. Falamos com um assessor do juiz, que se encontrava em Brasília, onde fomos prontamente atendidos, recebendo a promessa de conseguir posteriormente uma audiência com Magistrado.
Em fevereiro de 2020 conseguimos a primeira reunião presencial com o juiz Dr. Mário de Paula Franco Júnior. De prontidão notamos que o Juiz aparentava certa frieza, mas ouviu a mim e também os representantes das comissões, que puderam externar a ele a angústia da espera de quase 5 anos por uma reparação efetiva a milhares de atingidos.
Folha Guanduense: E qual foi a reação do juiz federal?
Richardeny Lemke Ott: Ele ouviu atentamente. Relatamos a realidade dos diversos territórios e das diversas categorias não reconhecidas e anunciamos a ele nossa pretensão de buscar na Justiça Federal uma nova modalidade indenizatória, que contemplasse várias categorias de atingidos que até então eram invisíveis no processo de reparação.
Folha Guanduense: E quando a ação efetivamente deu entrada na Justiça Federal?
Richardeny Lemke Ott: Em abril de 2020. Logo na primeira petição, aconteceu a primeira vitória: o juiz acatou nossa pretensão, realizando a juntada no chamado Eixo 7 – Cadastro e Indenizações.
A partir daí ocorreram algumas tentativas de conciliação entre as Comissões e as Empresas, todas elas sem possibilidade de acordo da nossa parte pelo valor irrisório das propostas, visto que as empresas se mantiveram rígidas e com propostas imutáveis.
Apresentamos dentro do processo uma matriz indenizatória, que contemplava categorias como pescadores informais, areeiros, lavadeiras, artesãos, agricultores, comerciantes, carroceiros e uma série de outras categorias até então esquecidas no processo de indenização.
Folha Guanduense: Essa matriz de indenização foi acatada? Quando saiu a sentença tão esperada pelas Comissões dos Atingidos?
Richardeny Lemke Ott: O juiz foi sensível e empático, definindo na sentença valores bem razoáveis, próximo ao solicitado pelas Comissões. Entendo que ele foi justo ao definir valores que variam de R$ 23.980 mil a R$ 567 mil, conforme a categoria do dano. A sentença inicial do Sistema Simplificado saiu em 1º de julho de 2020, beneficiando inicialmente as cidades de Baixo Guandu e Naque (MG).
A primeira indenização foi paga em setembro de 2020 e até este mês de junho de 2021 foram pagas reparações a cerca de 14 mil atingidos, com valor aproximado de R$ 1,1 bilhão. A sentença da Justiça Federal hoje beneficia 25 localidades e vai se estender para toda a bacia do rio Doce, conforme já vem ocorrendo.
Folha Guanduense: Para finalizar, como você se sente hoje, na condição de advogada que foi pioneira e peça fundamental na implantação do Sistema Indenizatório Simplificado?
Richardeny Lemke Ott: Eu muitas vezes me emociono com tudo isso, às vezes não contenho as lágrimas. Sabe o que é encontrar uma pessoa na rua e ouvir dela que conseguiu realizar o sonho de comprar uma casa? Ou outra que montou um pequeno negócio e hoje está realizada e não depende mais de emprego?
É muito realizador para mim ver estas pessoas felizes e que toda a luta valeu a pena. Eu faço questão de sempre dividir esta vitória com muitas pessoas, especialmente aquelas que compuseram as Comissões dos Atingidos.
A implantação do Sistema Simplificado de Indenização foi construído por muita gente que acreditou, lutou, correu atrás de justiça quando nosso sonho parecia impossível.
Eu, na condição de advogada, fui apenas uma peça desta engrenagem e me sinto absolutamente feliz e realizada.
Parabéns. Realmente o pioneirismo é dedicação merece elogios.
Receberam a primeira vez um montante e o cartão e agora fez acordo denovo
Nos teremos os mesmos direitos?
Gostaria de saber se esse pessoal que recebeu por último tem direito dos mesmos que estavam recebendo no cartão e fez novo acordo