A pandemia da Covid-19 foi a maior prova a que os sistemas de saúde e já foram submetidos. Dentre as lições deixadas pela pandemia está a necessidade de os países fortalecerem a resiliência de seus sistemas de saúde.
Além da estrutura organizacional, a resiliência dos sistemas de saúde depende de elementos como a preparação para rápida resposta a ameaças a saúde coletiva, liderança para tomada de decisões, coordenação de múltiplas ações, mobilização de recursos para gestão da crise e, sobretudo, aprendizagem com a resposta à crise. Nesse sentido, analisar como os governos responderam à Covid-19 é essencial para identificar eventuais falhas e sucessos que possam oferecer lições para a ampliar a capacidade de resiliência e aprimorar a estrutura organizacional dos sistemas de saúde.
Dentro dessa perspectiva apresenta-se esta publicação (Inovações na Gestão de Saúde e a Resiliência do SUS: a experiência capixaba na resposta à Covid-19), que trata de uma análise descritiva de projetos e inovações na gestão em saúde implementados pelo governo do Espírito Santo, em particular pela Secretaria Estadual de Saúde, que contribuíram para ampliar a capacidade de resiliência do SUS na resposta à Covid-19.
Os resultados da análise da experiência capixaba estão alinhados com achados de outros estudos internacionais, que chegam à conclusão de que novos instrumentos, estratégias e liderança, são cruciais para que um novo ciclo político de organização do SUS, conduzido pelos governos estaduais, se desenvolva. Nesse contexto, o esforço do Espírito Santo não deve ser considerado apenas um programa de modernização e aprimoramento da gestão, mas uma iniciativa concreta de transformação da direcionalidade da atuação dos governos estaduais para tornar sua ação mais efetiva e coerente com os valores que fundamentam o SUS frente aos desafios contemporâneos enfrentados pelo setor saúde.
Mês de publicação: outubro 2022 | Organizadores: Adriano Massuda e Elisandréa Sguario Kemper.
Prefácio
O prefácio da obra foi escrito pelo Secretário de Saúde Nésio Fernandes, que esteve à frente da gestão de enfrentamento da pandemia desde o ano de 2019.
“O ano de 2019 iniciou com uma cena clássica da política nacional no âmbito do SUS, troca de governo, novas polêmicas, conciliação administrativa da gestão tripartite e mais dialéticas de ruptura e continuidade na tela do sanitarismo brasileiro.
Nessa cena, o desafio para o SUS capixaba era imenso: por regra, estado e municípios não aderiram massivamente às políticas nacionais lideradas pelo Ministério da Saúde; era a quinta pior cobertura da saúde da família do Brasil; SAMU somente em 16 dos 78 municípios; menor número de UPA do Brasil; quarta pior cobertura de CAPS do Brasil; e um modelo de organização da atenção à saúde altamente dependente da hospitalização e da atenção especializada, montadas em uma precária infraestrutura assistencial de hospitais e centros ambulatoriais.
Na macropolítica, o único governador progressista da região sul-sudeste se destacava na articulação regional do Consórcio Sul-Sudeste e nas interlocuções em temas nacionais com o governo central. Renato Casagrande (PSB) atuou como ponte de diálogo republicana entre os diversos campos políticos nacionais. Nessa orientação, a secretaria de estado da saúde passou também a projetar sua atuação nacional, especialmente no âmbito do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Saúde (CONASS).
Regionalmente, o planejamento estratégico de governo havia desenhado e aprovado uma agenda de modernização do SUS radical. Para isso, era necessária uma estrutura de ciência, tecnologia e inovação para transformar o estado, os municípios, incluindo todos os serviços de saúde com seus territórios de abrangência em espaços para a formação profissional, para a inovação e para o desenvolvimento tecnológico. Criamos, então, o Instituto Capixaba de Ensino Pesquisa e Inovação, o ICEPi, uma instituição científica, tecnológica e de inovação do SUS e da gestão pública direta. Um braço, um comando direto da SESA de intervenção nos serviços de saúde.
Neste momento, somente os municípios capixabas aportam por ano mais de R$ 150 milhões de reais em bolsas de ensino, pesquisa, extensão e inovação por meio da cooperação com o ICEPi. Com três anos de criação, a nossa ICT (instituição de Ciência e Tecnologia) do SUS implementa uma carteira de 78 projetos de formação, extensão e inovação tecnológica, desde a atenção básica, equipes de consultório na rua, programas de modernização da atenção hospitalar e da regulação do acesso, em ciências de dados e 18 programas de pós-graduação lato sensu com mais de 1.200 alunos.
Destaco que ao final de 2019 lançamos o Decreto da política de expansão e estruturação do SAMU, o programa de provimento e formação profissional para a atenção básica, lançamos o Sistema de Informação para a Vigilância em Saúde (e-SUS/VS) e decidimos criar a subsecretaria de Vigilância em Saúde, que outrora era uma gerência dentro da subsecretaria de Regulação.
Ainda em 2019, para enfrentar dilemas complexos de governança, provimento e modernização da gestão hospitalar, foi criada a Fundação Estadual de Inovação em Saúde, a iNova Capixaba, com a missão principal de assumir mediante contratos de desempenho a gestão dos principais hospitais estatais do governo do estado.
O problema na infraestrutura da rede hospitalar foi enfrentado com a decisão de construir novos hospitais, reformar e ampliar os demais. Ainda em 2019, a retomada do projeto do Hospital Geral de Cariacica, a ampliação do Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves – HIMABA, do Hospital Dório Silva e da construção de um Complexo de Saúde na Região Norte foram definidas e encaminhadas.
A filantropia possui centralidade na garantia do acesso a atenção a saúde no Espírito Santo, no entanto, um modelo obsoleto de contratualização precisava ser superado, garantindo sustentabilidade econômica aos contratos, responsabilidade territorial e pagamento por desempenho. Formalizadas em janeiro de 2020, as primeiras reuniões para a construção da nova contratualização foram interrompidas até o início de 2022 por conta da agenda da pandemia, materializando-se na metade de 2022 na nova política estadual de contratualização com a rede complementar.
No contexto dos rumores da nova “pneumonia atípica” reconhecida na China, o ano de 2020 foi inaugurado ao meio de chuvas e inundações na região sul do Espírito Santo, registradas no mês de janeiro. Na última semana de janeiro, reunimos na SESA um grupo de especialistas para avaliar cenários de possíveis impactos da “2019-nCoV”, como foi denominada inicialmente. A partir das avaliações iniciais, diversos cenários foram desenhados. Ainda em fevereiro de 2020, já sob o conceito do vírus “SARS-CoV-2” e da doença “COVID-19”, o governo passou a desenhar possíveis estratégias de resistência a recente emergência internacional de saúde pública. Naquele momento a China ensinava ao mundo como isolar um vírus de risco pandêmico ao tempo que construía hospitais em 10 dias. Não sabíamos como seria o futuro, mas sabíamos que ele iria desafiar todas as instituições e sistemas políticos.
Lembro que nos dias 28 e 29 de fevereiro, em Foz do Iguaçu/PR, participamos do encontro do Consórcio de Integração Sul e Sudeste, naquela ocasião os secretários de Estado da saúde da região articularam com os governadores a pauta da resposta ao Coronavírus dentro da “Carta de Foz do Iguaçu”, dela derivou o pleito posterior de aporte de R$ 1 bilhão de reais aos estados para preparação à emergência. Em alguns processos, na medida que os fatos ganham distância, vamos ganhando capacidade de revisitá-los com melhor clareza e profundidade.
Neste livro, o leitor atento irá perceber que toda a resposta à pandemia da COVID-19 no estado do Espírito Santo foi além da síntese “leitos, máscaras e vacinas para todos”. Uma engrenagem complexa de inovação, mobilização, revisão e atualização constante da resposta estatal a pandemia focada no fortalecimento do SUS, das instituições e na defesa da vida. Hoje, as instituições do SUS e do estado do Espírito Santo estão mais fortes, consolidadas e unidas em torno de grandes consensos pelo desenvolvimento dos capixabas.
Hoje avalio que a assertividade do enfrentamento capixaba a pandemia da COVID-19 esteve no comando político do estado, que articulou uma agenda ampla de mobilização institucional e social. Reconheço nos termos apresentados por Carlos Matus que, a liderança do dirigente principal do estado determinou um teto alto de qualidade a todos os componentes da capacidade de governo. Esse foi o contexto da obra de fortalecimento do SUS que será apresentada neste livro. Finalizo este prefácio com meu reconhecimento e agradecimento sincero a todos os trabalhadores, usuários e pessoas nobres que durante toda a pandemia apostavam no bom, no melhor e no justo para todos os capixabas. Viva o SUS! “