Em tom de despedida do cargo ocupado por ele desde 1º de janeiro de 2019, o secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes (PCdoB), falou nesta última quarta-feira (7), diretamente de Brasília, ao EStúdio 360 Segunda Edição, telejornal da TV Capixaba. Em férias do cargo de secretário desde o dia 7 de outubro, Nésio está na capital federal como presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e como membro da equipe de transição do governo Lula (PT), no núcleo de saúde.
Com um olhar de dentro da transição, mas sem poder abrir muitos dados devido ao sigilo decretado pelo atual governo, o médico sanitarista faz um diagnóstico preocupante: em muitas áreas do Ministério da Saúde, o quadro é pior do que se imaginava. Ele indica que o próximo governo receberá do atual uma “herança maldita” (expressão usada por petistas na sucessão de FHC, de 2002 para 2003). E critica o distanciamento de Bolsonaro do processo de transição.
“É uma cena muito ruim. Quando o presidente Lula ganhou a primeira eleição [em 2002], eles chamavam de ‘herança maldita’ a cena do que havia sido herdado do governo Fernando Henrique Cardoso, uma avaliação em grande medida injusta. Mas que conceito a gente poderia dar talvez a este momento que o país vive, com tantos cortes, com a ausência de uma liderança capaz de conduzir de maneira republicana uma transição democrática?”
Nésio também lista os três maiores desafios do próximo governo na área da saúde pública, para os quais o presidente eleito já encomendou estratégias e soluções: 1) um plano (real) de enfrentamento à Covid-19; 2) retomada do programa de vacinação em massa para essa e outras enfermidades; 3) acesso a exames e cirurgias eletivas (média e alta complexidade) para os usuários do SUS. Hoje, existe no sistema uma fila que dobra a fronteira com o Uruguai.
Ele ainda critica a falta de transparência no atual Ministério da Saúde, além de informações ou defasadas ou colocadas sob um injustificável sigilo oficial.
Sobre o próprio futuro, Nésio evita ser taxativo, mas concede algumas pistas. Fala em gratidão a Casagrande, em “ciclo que se encerra no dia 31 de dezembro” e em “futuro secretário que ele [Casagrande] possa confiar”. Como presidente do Conass, Nésio tem mandato até abril do ano que vem, “mesmo saindo da secretaria no final do ano” – como aliás ele mesmo pondera, em mais um sinal do seu provável destino.
Nésio faz questão de mencionar que, além dele, só três secretários de Saúde permaneceram no cargo do início ao fim das atuais administrações nos respectivos estados, desde janeiro de 2019: os de Pernambuco (governo do PSB), Rio Grande do Norte (governo do PT) e Rio Grande do Sul (governo do PSDB). Isso em pleno combate à pandemia.
Confira as principais declarações do secretário:
Tom de despedida
Vim ao Espírito Santo como convidado e sou muito grato à liderança do governador Renato Casagrande pelo período em que pude estar contribuindo com o povo capixaba e com o governo dele nestes quatro anos à frente da secretaria. Foram 78 trocas de secretários de Estado em todo o Brasil. Somente três secretários, dos 27, permaneceram de janeiro de 2019 até o presente momento. E, de fato, nós temos um ciclo que se encerra em 31 de dezembro deste ano, e compete ao governador reconduzir o convite ou estabelecer o convite a um novo quadro.
Eu não tenho dúvida nenhuma que aquilo que a gente viveu no estado foi algo extraordinário. Foram tempos muito duros e difíceis e que trouxeram ao Renato Casagrande, para ele, para o colo dele, a liderança das decisões da Saúde. Então tenho certeza que ele terá sabedoria, que o futuro secretário que ele possa convidar terá condições de poder executar aquilo que ele deseja, que é resolver o problema de saúde pública capixaba. E, sobre o governo federal, é muito mais especulação.
Sou o presidente do Conass até o fim do ano, mesmo saindo da secretaria no final de dezembro, porque o estatuto da entidade estabelece que o último presidente fica até abril. Então tenho mais quatro meses ainda de exercício da presidência do Conass e, nesse período, estarei definindo o meu futuro como gestor e como médico.
Cortes no Ministério da Saúde
É uma cena muito ruim. Quando o presidente Lula ganhou a primeira eleição [em 2002], eles chamavam de “herança maldita” a cena do que havia sido herdado do governo Fernando Henrique Cardoso, uma avaliação em grande medida injusta. Mas que conceito a gente poderia dar talvez a este momento que o país vive, com tantos cortes, com a ausência de uma liderança capaz de conduzir de maneira republicana uma transição democrática? A gente não discute com as urnas. O que as urnas decidem a gente respeita. E cabe àqueles que estão nos cargos fazer uma transição ordeira e adequada.
Nós temos agendas que eram do cotidiano, que não eram para ser problemas, mas que se tornaram grandes problemas, verdadeiras bombas-relógios dentro do Ministério, como é o caso da vacinação. Nós temos mais de 11 milhões de cirurgias eletivas não produzidas no período de 2020, 2021 e 2022, considerando o que era esperado para ser produzido nesse período, e o Ministério da Saúde não liderou nenhuma estratégia nacional de enfrentamento a isso.
Enfrentamento à Covid
O presidente Lula pessoalmente nos encomendou uma atualização da estratégia de enfrentamento à Covid, porque a pandemia não acabou. Nós voltamos a ter agora uma terceira onda neste ano de 2023 e teremos possivelmente novas ondas nos próximos anos. Então o presidente quer saber como o governo vai enfrentar a Covid nesse novo cenário.
Vacinação em massa
É um tema complexo, porque se nós começarmos uma campanha muito grande de vacinação em janeiro e não tivermos vacinas, vai ser uma desmoralização muito grande da própria campanha. O Butantã já informou, por exemplo, que diversas vacinas que eles produzem estão sem encomenda para o próximo ano. Então nós temos uma cena muito complexa que vai exigir do presidente Lula muita transparência na divulgação da cena.
Exames e cirurgias no SUS
O presidente Lula encomendou uma agenda muito pragmática para resolver o tema do acesso a média e alta complexidade, a consultas, a exames, a tratamentos cirúrgicos eletivos, de média e alta complexidade, porque de fato existe um desafio muito grande nessa organização de como o paciente do SUS acessa a alta complexidade em todas as regiões do Brasil, algumas com mais, outras com menos dificuldade.
Enfraquecimento do Ministério
Existe uma cena de perda de liderança da instituição Ministério da Saúde ao longo do atual governo. Durante a pandemia, a agenda de enfrentamento à Covid e de fortalecimento do SUS, de temas importantes como a vacinação pediátrica foram temas tutelados, que não tinham a liberdade e a autonomia necessária para o trato dentro da gestão pública brasileira. O Brasil tinha urgência de que o Ministério da Saúde fosse uma instituição com posições mais avançadas, mais atualizadas, com as melhores análises de cenários e de riscos que o país poderia enfrentar e que de fato liderasse a nação no enfrentamento da pandemia e também na agenda de fortalecimento do SUS.
Falta de transparência
Estamos sob o decreto que colocou sob sigilo as informações sobre vacinas. Nós, da transição, passamos a ter acesso a dados ontem [terça, 6], mas também estamos submetidos ao decreto. Precisamos aguardar o fim do atual governo, aguardar que o sigilo seja quebrado, para que possamos divulgar os dados sobre vacinas.
Informações defasadas
O próprio Ministério da Saúde reconheceu que existem 30 milhões de doses aplicadas, já informadas pelos estados e municípios, mas que não aparecem no sistema de informação do MS. Isso é muito grave porque todo o planejamento e diagnóstico da situação da saúde exige dados precisos. Isso é revelador de uma grande desorganização em todo o sistema de informação do MS.
Ausência de Bolsonaro
É muito complexa essa transição porque ocorre em um cenário de ausência de liderança do atual presidente na condução e no diálogo republicano com o time do governo eleito.
FONTE: es360.com.br